Não há nenhum, absolutamente nenhum descompasso entre a sociedade brasileira e os políticos que a representam. De empresários a artistas, de Ipanema ao Morumbi, ninguém é melhor do que os inquilinos dos palácios e do Congresso Nacional. Aliás, está na hora de os melhores políticos fazerem um movimento de "basta" contra a flacidez e a ignorância da opinião pública.
Está lançada a sugestão: deputados respeitáveis de todos os partidos, da esquerda à direita, um Fernando Gabeira (PV), um José Carlos Aleluia (PFL), um Paulo Delgado (PT), um Miro Teixeira (PDT), um Gustavo Fruet (PSDB), um Raul Jungman (PPS) e outros, muitos outros políticos dignos do Brasil, que trabalham duro quase sem descanso, lançariam um manifesto: "Acorda, eleitor".
O movimento teria objetivos muito claros. Denunciar, por exemplo, essa elite intelectualmente preguiçosa, que cada vez que é assaltada na esquina convoca uma passeata de branco na Vieira Souto contra "os políticos". Eles admitem que não sabem o que fazer, que não sabem direito o que se passa em Brasília, que não têm a menor idéia de solução a propor, apenas "não agüentam mais" e "estão enojados" com tudo isso que aí está.
Foi exatamente assim que a classe média deu o apoio que faltava ao golpe militar de 1964.
O manifesto dos políticos dignos pediria um basta também ao analfabetismo ideológico dos engajados. Eles não agüentam mais ler sobre o pensamento "dos artistas e intelectuais", por exemplo, e descobrir que a "classe artística" em questão é um grupinho simbiótico que ronda as reuniões políticas em apartamentos aconchegantes.
Os políticos dignos, que muitas vezes abrem mão da vida privada para servir ao povo (isso não é uma ironia), avisariam ao Brasil que não têm estômago para ouvir o compositor Wagner Tiso anunciar, sem constrangimento, que não está preocupado "com qualquer tipo de ética".
Wagner Tiso está triunfante. No meio do escândalo do mensalão, no emaranhado de negociatas de Delúbio, Valério e companhia nas barbas de Lula, antes de qualquer investigação ser concluída, o compositor marcou posição em favor do presidente. Comprou, por assim dizer, ações de Lula na baixa. Não que já não fosse aliado dele, mas no momento difícil hipotecou sua reputação em nome do presidente.
Agora que Lula está prestes a ser reeleito, Tiso fatura ostensivamente os dividendos de seu investimento. O mensalão foi esquecido pelo povo, o caixa dois se tornou algo "que todo mundo faz", e a ética não é uma coisa que mereça tomar o tempo precioso da classe artística.
Os políticos brasileiros não agüentam mais esse povo que aí está.