Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 31, 2006

Celso Ming - Parcimônia adiada




O Estado de S. Paulo
31/8/2006

Ocorte de 0,5 ponto porcentual nos juros básicos, que agora estão a 14,25% ao ano, adiou a série da parcimônia que o Banco Central vinha anunciando desde maio.
De setembro do ano passado até agora, o Banco Central cortou os juros em 5,50 pontos porcentuais, o que não é pouco para os padrões brasileiros.
São os juros mais baixos dos últimos 31 anos. Mesmo com mais essa tesourada, o Brasil segue entre os campeões mundiais na matéria.
A maioria dos especialistas vinha apostando em que o corte seria menor porque se apegou à idéia de que o Banco Central optaria por não provocar surpresas.
Há três anos, a autoridade monetária dá especial importância à tarefa de assegurar sintonia com o mercado.
A menos que surjam imprevistos que exijam reação rápida, esta diretoria do Banco Central parece mesmo preferir antecipar seus movimentos, cuidar de que os agentes econômicos se preparem no tempo certo para a mudança de ritmo da música e, em seguida, cumprir a tarefa sugerida a fazer um movimento mais brusco.
Esta prática de seguir o préanunciado é também um jeito de lidar com a aflição natural que se acumula a cada alteração do preço do dinheiro. Há alguns meses, a ansiedade que precedia as reuniões era tanta que deram a esse estado geral dos espíritos o apelido de TPC - Tensão pré-Copom.
Hoje, quase ninguém se lembra disso. Enfim, o Banco Central parece entender que, do ponto de vista da eficácia da política monetária, é mais importante garantir a orquestração das expectativas do que acertar em cheio na dose mais adequada dos juros.
A ata desta reunião, a ser divulgada na sexta-feira da próxima semana, deverá explicar as razões mais importantes que levaram o Banco Central a manter o corte de 0,5 ponto porcentual. Alguma indicação disso já foi adiantada no comunicado oficial divulgado logo após o término da reunião de ontem. E dá para saber quais foram as outras.
Aqui dentro, temos dois dados novos. O primeiro é o de que a expectativa de inflação para este ano caiu mais e está abaixo dos 3,7%, para a meta de inflação de 4,5%, o que vinha pedindo mais folga nos juros. O segundo é o de que toda a economia passou a trabalhar com avanço do PIB mais baixo do que os 4,0% projetados pelo governo. Uma atividade econômica mais fraca reduz os riscos de que ocorra inflação de demanda, situação que poderia exigir contra-ataque dos juros.
Na área externa, o maior risco para a política antiinflacionária do Brasil vinha da alta dos preços do petróleo e da idéia de que a inflação americana exigisse novo choque de juros. Se isso se confirmasse, seria inevitável a brusca revirada nas cotações do dólar no mercado internacional e também no câmbio interno, fator que tenderia a descarregar mais inflação na economia brasileira.
Mas também aí houve virada.
A atividade produtiva nos Estados Unidos está em desaceleração. O temor da hora é o de que se desencadeie uma recessão e não novo galope do consumo. É por isso que os preços do petróleo estão recuando acentuadamente. O West Texas Intermediate, tipo de referência negociado no mercado de Nova York, há apenas 54 dias atingiu o recorde de US$ 78,40 por barril de 159 litros. Ontem, chegou a ser negociado abaixo dos US$ 69.
A queda das cotações do petróleo reduz o reajuste dos preços internos dos derivados esperado para depois das eleições. E, se esses preços subirem menos do que se previa, a economia tenderá a produzir menos inflação nos primeiros meses de 2007.
Pode-se argumentar que o Banco Central não fixa os juros com base na inflação passada ou com a que pode acontecer ainda neste ano. Porque a política monetária tem lá seu tempo de ação e reação (que leva cerca de seis meses), o Copom tem de atuar de olho em meados de 2007, ano para o qual a meta de inflação também é de 4,5%. Mas nada se vê na cabeceira dos rios que possa produzir enchente mais abaixo. E devem ter sido esses os fatores que determinaram a decisão unânime ontem tomada.
Alguém ainda vai perguntar se o Banco Central não olhou também para as eleições e, nesse caso, estaria ajudando a criar mais confiança. Cá entre nós, do ponto de vista do candidato Lula, o Banco Central já fez muito ao garantir todo esse tombo da inflação.

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