Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 28, 2006

Celso Ming - Água para exportação

Celso Ming - Água para exportação


O Estado de S. Paulo
26/8/2006

M ais um alarma foi disparado na Semana Mundial da Água, evento de grande importância que termina hoje em Estocolmo, Suécia.
Frank Rijsberman, diretorgeral do Instituto Internacional de Gestão da Água (IWMI, na sigla em inglês), denunciou na abertura do encontro que o drama da escassez de água doce que assolaria um terço da população mundial apenas em 2025 já está acontecendo agora. Foi a conclusão demonstrada por um estudo feito pelo IWMI nos últimos cinco anos, com a colaboração de 700 especialistas do mundo inteiro.
Somente a agropecuária utiliza 70% da água doce consumida no planeta. O biólogo da Embrapa Meio Ambiente, José Maria Ferraz, explica que, para produção de cada quilo de grãos são necessários de 1,5 mil a 3 mil litros de água doce. Na pecuária, esse índice é ainda mais alto: para a produção de cada quilo de carne bovina são usados de 15 mil a 20 mil litros.
A falta de consciência do problema, o desperdício e o mau gerenciamento do recurso são graves entraves para uma solução. Ferraz usa como exemplo dessa utilização irracional a técnica da irrigação por aspersão, na qual a água é distribuída por meio de jatos . "Em períodos de seca, somente 40% da água assim aspergida chega ao solo. O resto evapora antes." Outro complicador é a expansão desordenada da agricultura, na medida em que avança sobre as nascentes dos rios. No Brasil, por exemplo, rios importantes nascem no Cerrado Central. É o caso do Rio São Francisco, que banha uma região que vem sendo cada vez mais fortemente explorada nos últimos 30 anos e vai perdendo vazão.
Algumas das recomendações feitas ao longo da Semana Mundial da Água foram de que se incentive a construção de cisternas, que se substituam os sistemas de irrigação em uso por técnicas mais racionais e que se desenvolvam culturas resistentes à seca.
Cerca de um quinto da área mundial cultivada, responsável por quase metade da produção de alimentos, exige irrigação. O entendimento de que quanto mais água receber a plantação maior será a produção é um dos fatores que geram perdas. "Onde o custo da água doce é relativamente baixo, como no Brasil, o produtor tende a desperdiçar", observa Emílio Sakai, da área de Irrigação e Drenagem do Instituto Agronômico de Campinas.
Dados da Unesco mostram que alguns dos países com menos água doce per capita estão no Oriente Médio, como Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Jordânia. Não por coincidência, é uma das regiões de maior conflito no mundo.
O Egito, que já foi o celeiro do mundo, importa mais da metade dos produtos que consome


Forte escassez de água doce abre oportunidades para o Brasil


porque não possui água suficiente para produção local. No norte da China já existem rios que permanecem secos na maior parte do ano. E em alguns lugares na Índia a quantidade de água disponível está diminuindo tão rapidamente, que até 20% da produção agrícola está ameaçada.
Fronteira entre Estados Unidos e México, África subsaariana e Austrália são outros pontos cruciais. Em todas essas regiões estão próximos os dias em que a água hoje usada na irrigação será inevitavelmente desviada para consumo humano.
O que está sendo problema tão grave para uns poderá ser solução para o Brasil, se souber preparar-se para isso. Em outras palavras, o Brasil poderá vir a se tornar grande exportador de água, não na forma bruta, mas enquanto incorporada nos alimentos que outros povos não poderão mais produzir.
Marco Antônio Gomes, geólogo da Embrapa Meio Ambiente, dá uma idéia do que é a vantagem comparativa do Brasil nessa área. Na China - onde está o maior mercado consumidor de alimentos do planeta - a disponibilidade de água doce superficial é de cerca de 2,89 quatrilhões de litros por ano. No Brasil, é de 8,23 quatrilhões.
Para João Gilberto Lotufo, superintendente de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas, organismo ligado ao Ministério do Meio Ambiente, o Brasil tem grande potencial de aumento do consumo de água.
Hoje, apenas pouco mais de 3 milhões de hectares destinados à agricultura aqui são irrigados, mas podem chegar a 30 milhões de hectares, desde que haja planejamento. COLABOROU DANIELLE CHAVES

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