Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 28, 2006

Miriam Leitão COMO NÃO FAZER

COMO NÃO FAZER

Publicada em 26/08/2006 às 07h31m

Miriam Leitão - O Globo

O presidente Lula tem duas vantagens: ele mesmo e o seu principal adversário. O PSDB pode terminar esta campanha tendo produzido um caso de estudo de como perder uma eleição. Os erros foram sucessivos e continuam. Geraldo Alckmin é suave não por estratégia, mas por desconhecer os argumentos. Ele deixa seu adversário empunhar a bandeira da ética e passa batido por erros perigosos do atual governo.

Alckmin era o segundo tucano nas preferências do eleitor quando foi o escolhido. Numa situação assim, o primeiro passo deveria ter sido reagrupar o partido dividido, convocar as melhores inteligências da coalizão e preparar um projeto que unisse e pudesse ser entendido com facilidade pelo eleitorado.

A um mês da eleição, ele ainda é apenas um enclave na oposição; permanece isolado, cercado das mesmas pessoas; não tem programa, não passou uma única idéia-força, não disse a que se destina. Um presidente candidato à reeleição pode não ter programa. Seus atos e decisões falam por si. O projeto é mais do mesmo. Cabe ao candidato de oposição dizer em nome do que se oferece como alternativa.

A campanha de Alckmin desconhece um fato elementar da política: toda reeleição é plebiscitária. O eleitor é convidado a dizer se mantém quem está no cargo ou se o troca pelo seu oposto. É um ou outro. A terceira força cresce quando o segundo não incorpora o papel de anti. Numa eleição assim, não se trata de escolha: é inevitável o ataque ao candidato principal.

O ataque se faz nas fraquezas do outro. Chamar Lula de exterminador de empregos é um equívoco. O número deste mês foi ruim, mas qualquer avaliação superficial nas estatísticas de desemprego mostrará que o ritmo de criação de empregos agora é maior do que no governo anterior. Por um motivo simples: o Brasil passou por uma reestruturação produtiva forte. Encerrou o processo de substituição de importações, abriu o país, privatizou e estabilizou. Isso liquidou milhões de postos de trabalho. Agora está na hora da recriação. Foi assim em todas as economias que passaram por processos de mudança e modernização.

O ponto fraco do governo Lula é a ética. Essa é uma ferida aberta. Um partido que se apresentou durante 20 anos ao país com a marca da ética na política não entregou o produto prometido. O PT é hoje um politraumatizado: toda a direção partidária, grandes lideranças, possíveis herdeiros de Lula foram dizimados. Há testemunhos e provas. O principal publicitário do partido disse espontaneamente: foi pago com dinheiro sem registro, sem origem e em contas no exterior. O tesoureiro admitiu: fazia caixa dois. O próprio presidente abonou todos: fizeram o que é feito sistematicamente. Fugir desse tema não é apenas um erro estratégico. É uma alienação.

O ponto decisivo da conjuntura política do Brasil não é quem vai ganhar a eleição: é se o Brasil vai se acostumar com a falta de ética na política ou vai reagir. Quando artistas, formadores de opinião, usam seu prestígio para informar à população que ela deve aceitar um patamar mais baixo de exigência moral, estão propondo uma espécie de operação mãos sujas. Quem não concorda com isso está atrás de outro candidato. É para esses que a oposição precisa falar. Por isso, o assunto é incontornável.

Quem governa tem inúmeras vantagens: realizações, inaugurações e estatísticas. Mas tem também um enorme telhado de vidro do que não foi feito, dos erros cometidos, do descontentamento. Nesse terreno age a oposição.

O governo Lula tem usado seus pontos fortes e tem a vantagem de que seu principal adversário não fala dos seus pontos fracos. O governo não licitou um quilômetro de estrada, não iniciou uma única hidrelétrica, não fechou qualquer PPP. Sua maior realização na área logística atende pelo sugestivo nome de “Operação Tapa Buraco”.

Na educação, teve três ministros; cada um com um objetivo diferente. Na saúde, a operação sanguessuga fala por si. O Bolsa Família perdeu as virtudes do Bolsa Escola: não exige a presença da criança na escola, não tem porta de saída e, no último mês antes da campanha eleitoral, incluiu no programa 1,8 milhão de famílias. Ele se descaracterizou.

O país não suporta mais pagar tantos impostos. Está sufocado. No ano passado, pagou R$ 90 bilhões a mais do que no ano anterior, para um governo que aumentou suas despesas na rota suicida de 14,8% no primeiro semestre deste ano.

Com todas essas frentes de combate, o principal candidato recicla o lema de “paz e amor” que pertence ao Lula de 2002. No debate da Band, Geraldo Alckmin não se aproveitou sequer da cadeira vazia: situação ideal para quem quer atacar o concorrente. No México, foi a ausência de López Obrador no debate que permitiu a Felipe Calderón tirar a vantagem. Alckmin corre atrás de ilusões: ele disse que tudo seria diferente quando mudasse o horário da novela, agora diz que tudo vai mudar depois da parada de 7 de setembro. Antes tinha chance de crescer porque era desconhecido, agora tem chance porque não é mais o Alckmin e sim o Geraldo.

O presidente Lula mostra competência e vira o jogo que, em dezembro, parecia perdido, com seu governo em avaliação negativa. Mas tem sido ajudado por uma oposição incapaz de perceber as chances, traçar uma estratégia, ter um programa, ocupar os espaços, armar um time. Lula é excelente jogador, mas vai ganhar por w.o.

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