Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 30, 2006

CELSO MING O Programa de Lula

ESTADO

celso.ming@grupoestado.com.br

Na área econômica, o Programa de Governo do presidente Lula é um encadeamento de omissões, de simples declarações de intenção e de generalidades destituídas de metas claras.

Uma dessas omissões está logo na página 7, quando acusa o governo anterior de “privataria” porque “entregou grande parte das empresas estatais em processos marcados por graves denúncias de irregularidades”. Se as denúncias são tão graves, por que o governo Lula não as investigou? E, se as investigou o suficiente para concluir que produziram “privataria” - seja lá o que isso signifique -, por que não a denunciou à Justiça e ao povo brasileiro? E se foi tão nefasta para o País, por que não a reverteu?

O discurso do presidente Lula pronunciado quinta-feira por ocasião da última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social tem mais projeto e mais conteúdo econômico do que esta lengalenga. No pronunciamento, pelo menos está a promessa reafirmada pelo presidente de seguir combatendo a inflação: “Meu compromisso com a inflação baixa é definitivo, eu vou repetir, o meu compromisso com a inflação baixa é definitivo.” Por que esses termos não foram incorporados ao novo documento?

Fala de desoneração tributária, mas não de reforma tributária. Não reconhece que a carga tributária ficou insuportável nem como atacar a gastança do governo federal, que vem aumentando substancialmente acima do crescimento do PIB.

Menciona, sim, a necessidade de reforma sindical, mas não diz em que direção. Fala em melhorar a gestão da Previdência, mas no texto não há nem sombra da necessidade de aprofundamento da reforma. Em nenhum momento assume que é preciso aumentar a contribuição e reduzir o benefício para o aposentado.

Sustenta que “o País está ingressando em um novo ciclo de desenvolvimento”, mas não deixa claro como isso se fará. Promete políticas industriais, as mesmas de sempre: “ênfase nos setores difusores de tecnologia, tais como software, semicondutores, fármacos, medicamentos e bens de capital, assim como em áreas estratégicas como nanotecnologia, biotecnologia e biomassa”. A maioria dessas políticas foi anunciada já em 2003, mas ficou por aí, quase inteiramente emperrada. Se haverá a retomada dos projetos, faltou dizer por que não avançaram até agora.

Em abril, o PT divulgou suas “Diretrizes para a elaboração do programa do governo do Partido dos Trabalhadores - eleição presidencial de 2006”, o ensaio para o documento ontem divulgado.Lá foram feitas fortes críticas à política econômica desta administração: “A obra do governo Lula é parcial, desigual e incompleta”. E o PT pediu mudança de rumo na economia. Para o Banco Central, exigiu um duplo mandato: “Além de ser o guardião da moeda, deve igualmente preocupar-se com o crescimento, o emprego e o bem-estar social” - ficou registrado no documento. Mas o Programa do Presidente Lula não reconhece erros da política econômica. Aparentemente, o presidente desautorizou as críticas. Sobre a proposta de dar autonomia operacional ao Banco Central, não há uma única palavra. Nem contra nem a favor.

Promete o fortalecimento da política de exportações, mas em nenhum momento indica como pretende enfrentar a firme tendência à valorização do real. Enfim, a atual política cambial, objeto unânime das críticas dos economistas de esquerda, não é tema que mereceu consideração.

Para multiplicar as exportações, todos sabemos, é preciso acesso aos mercados e isso não acontecerá sem novos acordos comerciais. O Programa insiste em “privilegiar a integração sul-americana - o Mercosul e a Comunidade Sul-americana de Nações” - e ignora a necessidade de buscar novos mercados onde eles realmente existem. Nem mesmo se menciona a necessidade de dar urgência às negociações comerciais entre o Mercosul e a União Européia.

A maioria dos objetivos na área energética já está definida ou é conseqüência de decisões já tomadas. Mas o documento os enuncia como novidade.

Finalmente, o Programa de Governo se compromete com o projeto de “democratização dos meios de comunicação”, sem explicar o que pretende com isso. Pelo cheiro da brilhantina, trata-se de produzir bovina subserviência dos meios de comunicação ao futuro governo Lula.

E isso não consegue esconder o projeto autoritário de amolecimento de corações e mentes.

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