O Globo |
23/8/2006 |
O procurador eleitoral do Rio, Rogério Nascimento, que pediu a impugnação de candidaturas de deputados envolvidos nos escândalos dos sanguessugas, é direto: "Estou convencido de que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais. Penso que a Constituição deva ser levada a sério". Como se vê, alguma coisa se move na direção correta na Justiça Eleitoral, com base em conceitos como "probidade" e "moralidade", exigidos pela Constituição para a representação política, e interpretações inovadoras como a da proporcionalidade, conceito jurídico que veda o excesso da lei, mas também exige que ela tenha força suficiente para garantir as exigências constitucionais. O procurador baseou seu parecer na interpretação de que a Lei Complementar sobre inelegibilidades, que exige trânsito em julgado de todos os processos para embargar uma candidatura, não corresponde ao espírito da Constituição, que "exige garantia da probidade e da moralidade no exame das condições para representação política, e como medida de legitimidade das eleições". Como a Lei Complementar "não oferece proteção suficiente aos princípios constitucionais, deve ser declarada inconstitucional". No seu parecer, o procurador eleitoral afirma que "não cabe nenhuma dúvida quanto ao fato de que a Constituição impôs ao legislador complementar um dever de proteção da probidade administrativa, da moralidade para o exercício do cargo, da normalidade e da legitimidade das eleições". Foi também com esse raciocínio, para garantir a legitimidade das eleições, que o deputado Miro Teixeira pediu ao TSE e ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, a impugnação dos mandatos dos candidatos contra os quais existam "provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude" que porventura venham a ser eleitos em outubro. O mesmo parágrafo 10º do artigo 14 da Constituição, utilizado por Miro Teixeira, foi citado pelo procurador eleitoral do Rio, como prova de que a determinação constitucional de proteção da legitimidade da representação política não se limita ao parágrafo 9º que ele utilizou em seu parecer. "Ao contrário, decorre de todo o disposto no artigo 14, que deve ser interpretado como um sistema". O procurador Rogério Nascimento não tem dúvidas de que, "diante de prova firme de improbidade, de prática de crime infamante, de abuso de poder, de corrupção ou de fraude, fatores que inabilitam para o exercício do mandato, o pedido de registro de candidatura tem de ser indeferido". Ele mostra em seu parecer que a preocupação com a legitimidade do exercício do poder permeia toda a Constituição. E ressalta, lembrando que essa questão é crucial no pensamento ocidental: "A questão da legitimidade do poder assume importância maior nas situações de crise institucional, nas quais a identidade coletiva (aquilo que somos ou aspiramos ser como povo unido num projeto comum de convivência) é posto em xeque. Que Brasil somos ou queremos ser?". Para o procurador eleitoral, "a solução dos casos submetidos a julgamento deve estar ao alcance do entendimento do povo, em nome do qual se julga. Em lugar de sofisticados raciocínios formais, o que se espera da Justiça é que sua decisão corresponda ao senso ético presente na sociedade. Nos anos recentes a impunidade, a insegurança e a erosão da credibilidade da representação política configuram um quadro de instabilidade daqueles que exigem firmeza e sinais claros das instituições incumbidas de defender a normalidade do regime democrático". Rogério Nascimento também argumenta em seu parecer que o direito precisa ser interpretado com coerência: "Se a indignidade para o exercício da função pública impede o registro da candidatura do militar, como aceitar que se defira registro àquele agente público civil, contra o qual haja provas de abuso de poder, de fraude ou de corrupção, reconhecidas pela Justiça Eleitoral?". Depois de elogiar "a coragem e o senso de justiça" do desembargador Roberto Wider, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, ao tomar a decisão de requisitar ao Congresso Nacional, para instruir os requerimentos de registro de candidatura, "os elementos de prova que vinham sendo noticiados nos meios de comunicação de massa", Nascimento destaca que "legitimidade é medida da coesão de uma sociedade política, da capacidade do poder público se fazer respeitar". Para ele, é nos momentos "de anormalidade, de instabilidade, que o problema da legitimidade se coloca. Nas situações de estabilidade, de calma, de grande consenso, a autoridade não é posta à prova. Nos momentos de crise crescem de vulto os homens de bem e as instituições sólidas". O procurador ressalta que o exame do pedido de registro de candidatura é da competência da Justiça Eleitoral e, portanto, "não faz qualquer sentido, aliás, fere a Constituição da República condicionar o exercício da jurisdição eleitoral, em matéria de sua competência constitucional, tal como é o julgamento de registro de candidatura, ao exame definitivo de fato ou de direito por qualquer órgão de outro ramo do Judiciário ao qual esta Justiça especializada não está subordinada". O procurador eleitoral argumenta também que "a certeza jurídica que decorre de uma decisão definitiva deve ser sempre buscada, mas tal busca não justifica que se aceite um grave comprometimento do interesse público ou uma lesão de difícil reparação. Aceitar a candidatura diante de prova suficiente, em casos para os quais a própria Constituição admite a cassação do diploma, ou possibilitar a investidura em mandato político daqueles comprovadamente indignos de exercer a representação do povo viola o senso geral de justiça". Para ele, "as condições estão dadas. É o momento de dar um passo adiante". |
Entrevista:O Estado inteligente
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