Eleições e crise
Publicada em 27/08/2006 às 12h52m
Miriam Leitão - O GloboEsta é a primeira eleição presidencial sem crise econômica desde a redemocratização. Em compensação, o Brasil vive grave e perigosa crise política. A economia está dando uma trégua: não há a disparada do dólar e o risco que houve em 2002; não há ataque especulativo contra a moeda, como em 1998; não há uma crise externa chegando, como em 1994; nem uma hiperinflação, como em 1989.
Estas eleições ficarão marcadas para a História por outro tipo de aflição que não as econômicas. É o fim da pior e mais podre legislatura; é o fim de um período presidencial em que houve um desconcertante histórico de demissões de altos integrantes do governo envolvidos em corrupção; além da onda de perigosos ataques de bandidos contra os moradores da maior cidade do país.
No cenário econômico, o que as previsões apontam é para um ano com inflação em queda, dólar tão baixo que virou problema, acumulação forte de reservas cambiais e crescimento do PIB, ainda que moderado. A dívida externa, que assombrou outras eleições, é hoje menor que as reservas cambiais. Na última eleição, o Brasil tinha US$ 16 bilhões de reservas; hoje tem US$ 70 bilhões. A crítica dos economistas é ao fato de haver reservas demais, porque o custo é alto: quando compra dólares, o governo tem que lançar títulos. Fica com um ativo que rende pouco, aumenta o volume de uma dívida que custa caro. Nas eleições de 1989, 1994, 1998 e 2002, a crise cambial estava instalada ou rondava o país. Desta vez, o tremor das bolsas de maio e junho encontrou o país com mais de quatro anos de superávit em transações correntes. Foi o país emergente que menos sentiu o efeito da oscilação da bolsa.
O país cresce menos do que poderia, os juros ainda são altos, o desemprego tem dois dígitos. Mas não há uma ameaça de crise vindo. O melhor ano econômico das últimas eleições havia sido o de 1994, quando a inflação caiu com o sucesso do Plano Real. Mas o plano havia acabado de ser feito, corria todos os perigos, a crise do México rondava o país e, de fato, afetou-nos em março do ano seguinte.
Os riscos são outros agora e não são menos importantes. O país está sendo ameaçado por uma corrupção avassaladora, pelo risco de impunidade que, se confirmada, sedimentará as más práticas e por uma perigosa crise na área de segurança.
Corrupção, como as crises econômicas, pode acontecer em qualquer país do mundo. Nos últimos anos, houve um aumento da preocupação com corrupção em vários países. O Greenberg Quinlan Rosner, instituto de pesquisa de opinião, fez uma pesquisa em vinte países e encontrou o seguinte resultado: a corrupção é o terceiro problema que mais preocupa os eleitores; perdendo para desemprego e baixa qualidade de vida. O presidente e o vice-presidente da empresa escreveram um artigo no “Financial Times” dizendo que foi esse tema que decidiu a eleição contra Silvio Berlusconi na Itália, a favor do Hamas na $Palestina e é a razão para o surgimento de movimentos usando a palavra “Basta” em diversos países.
O presidente George Bush não está lançando a guerra contra corrupção à toa. É manobra diversionista. Os Estados Unidos estão em plena campanha para a renovação parcial do Congresso em novembro, e o grande tema explorado pelo Partido Democrata contra o Partido Republicano tem sido a corrupção no governo, as relações promíscuas com grandes empresas e o indiciamento de Tom DeLay, ex-líder do governo Bush na Câmara dos Deputados, por financiamento irregular de campanha. O Banco Mundial e a ONU têm estudado tecnicamente o assunto para encontrar mecanismos eficazes no combate à doença.
Ser um problema mundial não nos abona. A análise em outros países mostra eleitores indignados, corruptos banidos pelas urnas e punidos pelo Judiciário. O problema do Brasil é a punição branda e a ampla tolerância com o desvio. Momentos de crise como o atual são a chance de mudanças saneadoras.
Corrupção não é apenas um problema político. É também um problema econômico. Um país pode se desenvolver por algum tempo num ambiente de corrupção, explicou o diretor de governança global do Banco Mundial, Daniel Kaufmann na revista “Época”, mas não tem crescimento sustentado. A má prática afasta investimento privado e drena recursos do setor público.
A violência também vira um problema econômico. Qualquer país tem episódios de violência, mas quando bandidos demonstram capacidade de encurralar o Estado, o problema muda de patamar. Nesse grau de desordem, de desrespeito à lei, de afronta às instituições, a violência ameaça o investimento de capital nacional e estrangeiro.
As crises econômicas das últimas quatro eleições parecem menos graves e mais fáceis de enfrentar do que os riscos que o país corre agora. Eles terão efeito econômico a médio e longo prazo e são mais difíceis de serem combatidos. Mas não são invencíveis. O mundo está enfrentando as duas chagas. Existe hoje uma tecnologia, já comprovada em outros países, de combate à violência do crime organizado e à corrupção. É preciso saber usá-la. A semana passada mostrou que os brasileiros não estão desvalidos: fios de esperança surgem no horizonte na reação de alguns parlamentares que honram o mandato, do Ministério Público, dos Tribunais Eleitorais. Pode ser esse o caminho que se abre para o país.