Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 25, 2006

Os tempos são outros, sim


Editorial
O Estado de S. Paulo
25/8/2006

Pela primeira vez na história da democracia brasileira, um tribunal eleitoral - o do Rio de Janeiro - indeferiu o registro de candidatos ao Congresso por "falta de perfil moral". Os atingidos, na leva inicial de decisões desta semana sobre processos ainda pendentes no TRE do Estado, foram o notório dirigente vascaíno e ex-deputado Eurico Miranda, que pretende voltar à Câmara, e 4 dos 13 políticos fluminenses incluídos entre os 70 parlamentares contra os quais a CPI dos Sanguessugas pediu a instauração de procedimentos capazes de levar à cassação dos seus mandatos: Elaine Costa e Fernando Gonçalves, do PTB, Paulo Baltazar, do PSB, e Reinaldo Gripp, do PL. (Originalmente, os cassáveis eram 69 deputados e 3 senadores, mas 2 dos primeiros renunciaram antes do pedido chegar ao Conselho de Ética. Dos 13 acusados da bancada fluminense, 2 não se candidataram.) É bem possível que os barrados reconquistem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o direito de se candidatar. Eles alegarão que os vetos são inconstitucionais. Primeiro, porque não foram cassados, o que de fato acarretaria a suspensão imediata dos seus direitos políticos. Segundo, porque muito menos foram condenados pela Justiça, em sentença definitiva, o que os tornaria inelegíveis. A letra da lei, ao que parece, lhes dá razão. O artigo 14 da Carta, ao tratar das situações de inelegibilidade, exige que uma lei complementar - ainda inexistente - estabeleça as regras para o bloqueio de candidaturas com base na vida pregressa dos candidatos. Mas há quem sustente que as evidências que os incriminam são suficientes para embasar o ato do TRE do Rio. "Os tempos são outros", argumenta o presidente do tribunal, Roberto Wider.
Ele está certo - se não no plano jurídico, seguramente na convicção de que "há que se mudar este estado de coisas", como disse a juíza Jacqueline Lima Montenegro, que negou candidatura a Eurico Miranda. Embora ele nunca tenha sido condenado, há um Maracanã de processos em que o cartola figura como réu de crimes nefandos. Sinal dos tempos, com o mesmo espírito o deputado Miro Teixeira, também do Rio, apresentou ao TSE uma consulta - na verdade um pedido - sobre a possibilidade de serem impugnados candidatos eleitos e diplomados, mesmo que nem ainda respondam a processos, se existirem contra eles as provas de "abuso do poder econômico, corrupção ou fraude" de que fala o referido artigo da Constituição. Assim como diante do caso inédito da negativa de registro de candidaturas por falta de ética, juristas ouvidos pela imprensa discordam de Miro.
Se os partidos, que são livres para fazê-lo, não expulsaram os seus integrantes alvejados por tais provas, assim que elas se tornaram públicas - seja no escândalo do mensalão, seja no dos sanguessugas -, o princípio constitucional da presunção da inocência ata as mãos da Justiça, rebatem os especialistas. De todo modo, multiplicam-se os sinais de que, em um aspecto muito específico e crucial, o estado de coisas mencionado pela juíza Jacqueline passou do suportável.
Trata-se da impunidade dos políticos corruptos - o ponto fraco das ações contra a corrupção, que, apesar dos pesares, têm sido bem-sucedidas na descoberta dos crimes, na identificação dos criminosos e na reconstrução do seu modus operandi. Agora, o foco da opinião pública e dos defensores do bem comum nos poderes da República está no imperativo de castigar os administradores e congressistas delinqüentes.
O que desencadeou o clamor pela sua punição foi a absolvição em plenário da esmagadora maioria dos mensaleiros, cuja cassação havia sido pedida pelo Conselho de Ética da Câmara. E essa é a batalha da hora no caso dos sanguessugas. O bom combate já acumula três vitórias. Primeiro, ruiu a cínica intenção anunciada pelo presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza, de engavetar os pedidos de processo contra Magno Malta, Ney Suassuna e Serys Slhessarenko. Depois, deu em nada - graças à pronta reação dos conselheiros - a marota jogada do presidente da casa, Renan Calheiros. Ele tentara, por um golpe regimental, retardar a abertura de processos contra os três. Por fim, a bancada da ética obteve do presidente da Câmara, Aldo Rebelo, o compromisso de pôr em pauta, já em setembro, o projeto que institui o voto aberto nas decisões sobre cassação de mandatos, para inibir os pizzaiolos do Congresso.
Nas instituições e na sociedade, em suma, os tempos são outros, sim.

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