Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Rondônia Corrupção nos três poderes

A máfia de Rondônia

A Polícia Federal prende a cúpula dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário do estado


Leonardo Coutinho e Fábio Portela

 

Fotos Dida Sampaio/AE e Andre Dusek/AE
Em sentido horário, o presidente do Tribunal de Justiça, Sebastião Chaves, o da Assembléia Legislativa, Carlão de Oliveira, o ex-procurador do estado José Carlos Vitachi e o ex-secretário da Casa Civil Carlos Magno: todos foram presos pela Polícia Federal por integrar a quadrilha que assaltou Rondônia


NESTA REPORTAGEM
Quadro: Corrupção nos três poderes

Nunca se viu nada parecido com a máfia desbaratada pela Polícia Federal em Rondônia há dez dias. As investigações revelaram que a cúpula do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público e quase todos os deputados estaduais participavam de uma quadrilha que se apropriava de recursos oficiais. No Judiciário, desembargadores concediam sentenças favoráveis aos parlamentares em troca de aumentos salariais. Na Assembléia Legislativa, fraudava-se a folha de pagamento dos servidores. No Executivo, secretários de governo se beneficiavam do esquema dos deputados, e o próprio governador, Ivo Cassol, é suspeito de acobertar a corrupção. Há dez dias, foram presos o presidente do Tribunal de Justiça, Sebastião Chaves, e o da Assembléia Legislativa, Carlão de Oliveira, o ex-procurador-geral do estado José Carlos Vitachi e o ex-secretário da Casa Civil Carlos Magno. Já chega a 71 o número de acusados de integrar o bando, que desviou 70 milhões do Orçamento de Rondônia.

As investigações da Polícia Federal indicam que a base de operação da máfia era a Assembléia Legislativa. Lá, assessores e parentes de deputados chegaram a ser presos por superfaturar contratos. A maior parte das fraudes está concentrada, porém, na folha salarial da casa. Vinte e três dos 24 deputados participaram da montagem de uma folha clandestina. Nela, foram incluídos 650 funcionários-fantasmas. Na maior parte dos casos, os vencimentos desses servidores abasteciam diretamente as contas dos deputados. Em outros casos, eram usados para pagar suas despesas pessoais. Na folha espúria, havia um pai-de-santo, uma cafetina, um cabeleireiro e até amantes dos parlamentares. O ex-secretário da Casa Civil Carlos Magno inseriu suas duas ex-mulheres na relação e livrou-se, assim, de lhes pagar pensão. "Colocaram até frentistas, para não pagar combustível", relata o superintendente da polícia em Rondônia, Joaquim Mesquita.

Quando o governo autorizou os bancos a conceder empréstimos consignados, os deputados encontraram uma nova brecha para fraudes. Seus laranjas tomaram empréstimos que foram parar no bolso dos parlamentares. Com esse artifício, eles subtraíram 7,3 milhões de reais dos cofres da Assembléia – que pagou as dívidas contraídas. O único deputado que até agora não foi envolvido nas denúncias, Neri Firigolo, do PT, responde a outro processo. É acusado de dar ao sogro uma passagem aérea oficial. Na assembléia, até o que é legal é imoral. Para se ter uma idéia, a folha de pagamentos da Casa registra 756 empregados apenas no gabinete do presidente Carlão de Oliveira. É o equivalente ao efetivo do Tribunal de Contas da União.

 

Dida Sampaio/AE
Reprodução
Cassol (acima) e o vídeo do achaque que ele mostrou na TV: de denunciante, o governador virou investigado

As investigações sobre a máfia começaram em junho de 2005. Naquele mês, o governador Ivo Cassol entregou à Rede Globo um vídeo no qual aparecia sendo achacado por oito deputados estaduais. Eles exigiam 50.000 reais mensais para aprovar os projetos do governo. Depois de tornar o caso público, Cassol pediu que a Polícia Federal apurasse o crime. Os policiais encontraram uma testemunha-chave. Um ex-assessor da Assembléia resolveu contar o que sabia sobre a folha salarial clandestina. A polícia apreendeu na casa do diretor de recursos humanos da Assembléia, Emérson Santos, um computador que comprovava a denúncia. Nele estava a contabilidade da quadrilha. Por causa desses arquivos, a Justiça autorizou a polícia a grampear os telefones dos deputados. Descobriu-se, então, que desembargadores, juízes e promotores também estavam enredados. Com as autoridades sendo envolvidas uma após a outra, a polícia passou a chamar a operação de Dominó.

Em novembro de 2005, o procurador-geral de Rondônia, Abdiel Figueira, encaminhou um projeto à Assembléia propondo aumento para sua categoria. Quando o presidente da Assembléia, Carlão de Oliveira, recebeu o texto, propôs um acordo a José Carlos Vitachi, braço-direito de Abdiel. Aprovaria o reajuste desde que os promotores tirassem da cadeia seu irmão, seu cunhado e o filho de um deputado, presos por superfaturar contratos da Assembléia. Vitachi topou e o reajuste foi aprovado. Os desembargadores fizeram negociata semelhante. O presidente do Tribunal de Justiça, Sebastião Chaves, também pediu a Carlão que aumentasse o salário dos magistrados. O deputado aceitou, mas, num caso que poderia ser classificado como "o eterno retorno da corrupção", exigiu que a Justiça liberasse seus bens, bloqueados em decorrência de outro processo de desvio de dinheiro público. Chaves também topou. Em seguida, procurou os juízes responsáveis pelo processo e contou-lhes que todos teriam aumento de salário se atendessem Carlão. Seis dias depois, os bens do deputado foram liberados.

O governador Cassol, que denunciara os deputados, passou a ajudar Carlão. Pois é, de denunciante tornou-se investigado. A Assembléia Legislativa aprovou o aumento dos juízes no penúltimo dia útil de junho. Pela lei, Cassol deveria esperar a publicação do ato no Diário Oficial para ratificá-lo. Se fizesse isso, no entanto, o aumento só valeria em 2007. Para evitar o transtorno, ratificou a decisão imediatamente, desrespeitando o prazo legal. Além disso, nomeou um aliado da quadrilha para o Tribunal de Contas do Estado. Candidato à reeleição, Cassol nega ter qualquer envolvimento com os negócios de Carlão.

As raízes para a corrupção tão desenfreada em Rondônia podem ser encontradas na forma de ocupação do estado. Nos anos 70, os governos militares resolveram ocupar a Amazônia e decidiram criar uma nova fronteira agrícola em Rondônia. Deram lotes e subsídios a quem se mudasse para lá. O lema era "uma terra sem homens para homens sem terras". Em vinte anos, a população cresceu 700%. Muitos dos novos moradores só tinham um objetivo: extrair de Rondônia todo o dinheiro possível. "Quem chegava queria enriquecer rápido e ascender na pirâmide social", diz o geógrafo francês Philippe Lena, especialista no estudo das correntes migratórias da região. Desses colonos, surgiria uma classe política bem mais ousada, no mau sentido, do que a média geral brasileira (e olhe que a média já é ousadíssima). Boa parte dela já havia feito fortuna à margem da legalidade, grilando terras ou explorando madeiras nobres em áreas de preservação.

Em 1981, Rondônia, que era um território tutelado pelo governo federal, foi convertido em estado autônomo sem que tivesse uma economia capaz de sustentá-lo. Até hoje, 25% do PIB depende da administração pública. O estado sobrevive com recursos enviados pela União. Sem eles, quebraria. "Lá, não há carteira assinada, só contracheque do serviço público. É uma União Soviética na Amazônia", diz o deputado Paulo Delgado, que defende a intervenção federal no estado. Com quase todo mundo pendurado nos cofres públicos, o ambiente para corrupção tornou-se propício. "Não sei se Rondônia é o estado mais corrupto do Brasil, mas não tenho dúvida de que é o lugar onde os corruptos agem de forma mais descarada", diz Mauro Spósito, coordenador de Fronteiras da Polícia Federal.

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