Perto da aula magna de ética na política que o presidente Lula ministrou segunda-feira em São Paulo a uma classe de dóceis intelectuais selecionados a dedo, as manifestações dos artistas Paulo Betti, Wagner Tiso e do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, na semana passada, apoiando a corrupção no governo do PT porque os fins justificam os meios, parecem balbucios de crianças puras numa escola maternal. Nunca antes se viu um presidente brasileiro - e nunca antes esse bordão de Lula há de ter sido tão apropriado - ir tão longe em defesa das mãos sujas na vida pública, embora as suas palavras, tomadas pelo valor de face, fossem de resignação diante do que seria uma realidade amarga, porém imutável.
Ele pode não ter se dado conta disso, muito menos desejado, mas sem sombra de dúvida entrou para a história do Brasil como o chefe de Estado que disse para quem quisesse ouvir: “Política a gente faz com o que a gente tem, e não com o que a gente quer. Esse é o jogo real da política que precisou ser feito em quatro anos para que chegássemos a uma situação altamente confortável.” A primeira sentença é uma meia verdade. Faz-se política, de fato, com o que se tem. Nem por isso se precisa necessariamente fazer política cultivando o que há de pior no que se tem. Mas foi esse, e nenhum outro, o ponto de partida do sistema petista de poder para dar a Lula, por meios espúrios, maioria na Câmara.
Os políticos venais - “o que se tem” - não fizeram fila na rampa do Planalto pedindo mesada para votar com o governo. Foi o partido do presidente que os procurou, diretamente ou por interpostos cúmplices, para mudarem de sigla ou, ficando onde estivessem, apoiassem as suas propostas. O suborno sistemático de deputados - chame-se mensalão, valerioduto, uso de recursos não contabilizados, o que se queira - foi a indelével e, pela amplitude e freqüência, inédita marca de Caim do “jogo real da política” jogado na era Lula. Em benefício dele e do seu partido, por iniciativa de sua gente, pouco importando, a esta altura, se com ou sem o conhecimento do chefe, ou, por que não?, com ou sem o seu incentivo.
Já a segunda sentença, em que ele fala da situação a que se chegou, é uma trapaça. À primeira vista, o sujeito oculto da frase é o Brasil: fez-se o que “precisou ser feito” para o País desfrutar de um alto grau de conforto. Na realidade, fez-se o que se escolheu fazer para que ele, ao fim e ao cabo, pudesse chegar à antevéspera da sucessão numa situação altamente confortável. A meta última do mensalão, como de tudo mais que o presidente e seus companheiros fizeram, era a reeleição. Mas a lição enganosa não terminou aí. O professor deixou claro que os puros - ou os menos impuros, como o PT, criado, segundo ele, “para errar (grifo nosso) menos do que os outros partidos” - não tinham saída, sendo o que é o que se tem.
Ora, seja lá para o que se criou o PT, é fato documentado que a sua conduta, tão logo começou a conquistar municípios importantes, se tornou cópia fiel, ou aperfeiçoada, daquilo que atribuía aos adversários muito antes de abraçá-los como aliados. A ética administrativa da atual deputada Angela Guadagnin - a Isadora Duncan do mensalão - na prefeitura de São José dos Campos, em meados dos anos 1990, não foi o avesso, por exemplo, da que os petistas execravam no atual neolulista “Newtão” Cardoso, quando prefeito de Contagem, mais ou menos na mesma época. E a indesmentível extorsão institucionalizada em Santo André, na gestão Celso Daniel, morto ao que tudo indica por se opôr ao desvio do butim destinado ao PT.
Em 2002, era o partido fazendo mais do mesmo - dessa vez para enfim eleger Lula - quando o seu presidente José Dirceu pagou R$ 10 milhões ao então homólogo do PL, Waldemar Costa Neto, segundo ele próprio viria a revelar, pelo apoio da sigla que entrou com o candidato a vice, José Alencar. E quando pagou o marqueteiro Duda Mendonça no exterior, com dinheiro ilegal.
O “conforto” moral que Lula sente, ele quer que todos os companheiros sintam. Para isso sugere que “o PT vai ter que responder por seus erros (grifo nosso) e as pessoas que erraram - ou seja, os membros da ‘sofisticada organização criminosa’ denunciada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza - precisam pedir desculpas ao povo brasileiro”. E pronto!