Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 24, 2006

Celso Ming - Entulho improdutivo




O Estado de S. Paulo
24/8/2006

Na seca prolongada, baixa o nível das represas. É quando aparecem embarcações afundadas e muito lixo. A queda da cotação do dólar no câmbio interno produz o mesmo efeito: põe à mostra o entulho do País que tira competitividade ao produto nacional.
Desta vez, a valorização do real não é um truque para segurar os preços; não cumpre o papel de âncora da inflação, como nos primeiros três anos do Plano Real. É o reflexo de uma rápida e inevitável expansão das exportações, graças às enormes compras dos asiáticos.
A tendência é de que o câmbio siga achatado. É verdade que hoje as importações crescem mais do que as exportações: 23% ao ano, enquanto as exportações avançam 16%. A essa velocidade, as importações só se encontrarão com as exportações por volta de 2009 ou 2010. Isso significa que, para um câmbio mais equilibrado, as importações têm de ser empurradas.
Para garantir crescimento das importações seria necessário derrubar defesas alfandegárias. Até recentemente, qualquer menção a um projeto desses seria considerada entreguismo. Aos poucos, porém, o empresário brasileiro vai admitindo que é preciso importar mais para frear a valorização do real.
Seria ótimo se uma abertura ainda maior da economia pudesse ser obtida por meio de contrapartidas dos parceiros comerciais, na base do "nós abrimos o mercado e eles também".
Mas essa oportunidade foi por água abaixo com o fracasso das negociações da Rodada Doha no âmbito da Organização Mundial do Comércio e com o congelamento das outras negociações em que o Brasil estava envolvido, especialmente as da Alca e com a União Européia.
Não dá para contar com essas contrapartidas nos próximos três anos. Nesse caso, não sobraria opção senão a abertura unilateral. Não é o ideal, mas é melhor do que ficar sem abertura, no meio desses enormes saldos comerciais que derrubam o dólar.
Mas não é a única coisa que precisa ser feita para garantir competitividade do produto brasileiro. Se uma vantagem pode


Com o real valorizado ficam à mostra os custos insuportáveis

ser obtida com o real valorizado é a de que ficaram à mostra os custos insuportáveis: juros altos, mesmo quando favorecidos; carga tributária insuportável; colapso da infra-estrutura. Há alguns anos, a economia compensava essas desvantagens com desvalorização cambial. Esse recurso já não funciona porque as exportações são US$ 45 bilhões por ano mais altas do que as importações e sobram dólares no câmbio.
O produto brasileiro está sendo exportado com sobrecarga de impostos. Alguns deles vão-se acumulando ao longo do ciclo produtivo, como a CPMF. Como as montadoras obtêm financiamento de exportação correspondente a 55% do valor do veículo, somente a cobrança de CPMF nessa operação (com dupla movimentação financeira) implica um adicional de R$ 200 em cada veículo exportado por R$ 50 mil.
Hoje não é mais possível exportar veículos sem ICMS porque a Lei Kandir (que mandava devolver ICMS ao produtor) não está sendo cumprida. Apenas a indústria automobilística reclama um crédito de ICMS de nada menos que R$ 3 bilhões, recursos não devolvidos às empresas.
Enfim, sem mais competitividade, a indústria terá problemas e isso implica mais abertura e redução drástica do custo Brasil.

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