Panorama Econômico |
O Globo |
31/8/2006 |
O candidato Geraldo Alckmin tem números e fatos na cabeça e recorre com freqüência à sua bem-sucedida experiência administrativa, mas ainda não tem programa. No calor da reta final, ainda não demonstra paixão. Quando alguém pergunta por um motivo para voltar para o Brasil, ele fala em política econômica. Quando tem os dez minutos finais para encerrar seu pensamento, ele conta uma história de Pindamonhangaba, que nem o favorece. E Alckmin mesmo conta que tem ouvido nas ruas um pedido: "Bate, doutor". É incompreensível um candidato de oposição não ter ainda alinhavado idéias do que propõe como alternativa ao povo ao qual pede votos. Por isso eu quis saber do candidato do PSDB-PFL por que alguém que lutou tanto para ser candidato não tem, a esta altura, um conjunto de idéias e propostas em nome das quais se candidatou. Ele disse que o programa será divulgado nos próximos dias em capítulos. Ao responder a Cora Rónai, Alckmin deu um escorregão: disse que José Serra perdeu a eleição em 2002 porque o povo queria crescimento e emprego. Jorge Bastos Moreno quis saber se era isso mesmo que ele tinha dito e ele confirmou: "É verdade." O candidato contou que tem ouvido de eleitores o mesmo pedido: - Bate, doutor. Ele acha que isso é prova de que a rua está virando; não vê como sinal de que deva mudar de estratégia de campanha por um tom mais agressivo. Disse que não é assim e prefere fazer propostas. Mas quais são elas, afinal? Alckmin promete um ajuste fiscal como fez em São Paulo, dizendo que isso permitirá a redução da carga tributária e da taxa de juros. Com o aumento do investimento, o país vai crescer num ritmo maior e isso criará um círculo virtuoso. Na entrevista do "Jornal da Globo", na segunda-feira, quando confrontado com a pergunta sobre de onde tiraria o dinheiro para ampliar programas como o Bolsa Família, ele respondeu que cada ponto de queda da taxa de juros significa R$8 bilhões não gastos. Essa é a mesma proposta da candidata Heloísa Helena: a queda dos juros produz dinheiro para todos os projetos. Perguntei se ele era contra a autonomia do Banco Central. - Eu sou a favor da independência do Banco Central - disse, e explicou que a queda dos juros será conseqüência de uma política fiscal mais austera que ele colocará em prática. - O programa do Lula é um engodo, e ele está avisando lá que vai aumentar os gastos - alertou e, nesse ponto, está coberto de razão. Derruba-se a taxa de juros como conseqüência de uma política fiscal mais dura, e o PT está avisando que sua proposta é de aumentar os gastos. Alckmin tem boas histórias de corte de gastos e de combate ao desvio de recursos públicos. - O que é o sanguessuga? É superfaturar o preço da ambulância comprada pelo poder público. Como se resolve isso? Com leilão eletrônico. Economizamos R$4 bilhões em três anos e meio. O governo queria comprar carros, avisava as montadoras, elas davam lances num leilão reverso e conseguimos uma redução de 25% no preço. Numa das histórias que contou do seu tempo de candidato a prefeito, Alckmin revelou que seu pai o criticou pelos ataques aos adversários: - Ele me disse que os possíveis equívocos dos meus adversários não aumentariam em nada as minhas qualidades. E eu guardei isso. Uma lição paternal sábia para várias ocasiões da vida, mas o momento - que ele mesmo define como sendo de desencanto com a política - exige mostrar os erros do governo para se reconstruir a confiança na política. Em um bom momento, Alckmin falou com desenvoltura e simpatia de um livro médico, recomendando a luz do sol da manhã como saudável e estabilizadora. Durante toda a entrevista citou, como contou o Ancelmo Gois, seis vezes Mário Covas, e o PSDB quase não recebeu referências. Ele é um candidato de uma ala do partido, ainda não reuniu o partido inteiro. A Flávia Oliveira, disse que fará a reforma tributária e contou, de novo, decisões que tomou em São Paulo, onde reduziu impostos e aumentou a arrecadação. A Tereza Cruvinel, avisou que não aceita a proposta de união com Lula. - Numa eleição, o vencedor governa e o perdedor fiscaliza. Gosto das coisas bem separadas. Na questão da segurança, ele tem, de fato, bons números. Conta que fez sete presídios de segurança máxima; enquanto o governo federal fez um. Abriu, junto com Mário Covas, 70 mil vagas no sistema prisional; e o governo federal, apenas 30. Os números são bons, mas não apagam a sensação de piora da questão da segurança que vem do cotidiano de medo da população de São Paulo após os ataques do PCC. Alckmin demonstra conhecimento administrativo, afinal governar bem São Paulo é uma experiência como a de governar um país, mas lhe falta paixão e senso de oportunidade como candidato. Quando um leitor perguntou, pela internet, que razão o candidato lhe daria para voltar a morar no Brasil, era a hora ideal para o discurso apaixonado pelo país que todo candidato que se propõe a ser presidente tem de ter. Ele deu uma resposta burocrática, repetindo receitas de política econômica. Quando o assunto é corrupção, às vezes, constrói frases sem sujeito. Faz tudo para fechar seus ouvidos ao conselho que ouve na rua: "Bate, doutor." |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, agosto 31, 2006
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