Outro dia levei seis horas de minha casa em Ipanema até o centro de Belo Horizonte, num vôo que normalmente dura cerca de 40 minutos.
Um pouco mais, e eu chegaria a Lisboa. Antes, indo para o Nordeste, gastei quase o tempo de chegar a Paris, considerando as três horas que fiquei retido numa conexão em Brasília.
Quando conto isso, ouço histórias parecidas e as mesmas queixas.
A desculpa é sempre a crise da Varig.
Decididamente, está se tornando insuportável viajar de avião — insuportável aqui e arriscado lá fora.
Aqui, pelo desconforto, além dos atrasos. Nos aeroportos, uma multidão e uma correria que lembram rodoviárias.
Lá em cima, poltronas estreitas, copos e talheres de plástico, sanduíches, argh!, ou barras de cereal com amendoim. Saudades dos tempos em que, a bordo, se serviam boas refeições. Houve época em que, junto com a roupa adequada, usava-se um mínimo de compostura
Hoje, as pessoas viajam de bermuda, camiseta regata, chinelo sem modos. Numa de minhas últimas viagens, o vizinho cruzou os braços nus atrás da cabeça, botou os pés descalços no encosto da frente e começou a roncar. Só me restou o recurso de pedir à aeromoça vários lenços de papel perfumado.
É bem verdade que pelo menos não corremos o risco de bombas. A porta pode despencar lá de cima, o trem de pouso
não funcionar, como aconteceu há pouco com um casal amigo e duas filhas pequenas (o aparelho ficou rodando sobre Teresina para gastar combustível e descer sem pegar fogo) e pode até se espatifar, mas por obra e graça das bruxas, não pelas mãos dos terroristas. Nunca tive medo de voar e gostaria de passar as próximas férias no exterior, mas depois da descoberta do plano que visava a explodir aviões entre a Inglaterra e os EUA, não sei não. Na melhor das hipóteses, enfrenta-se o caos das operações de embarque: filas intermináveis, revistas, alertas, malas extraviadas.
E o pior é que de repente, por qualquer vacilo ou pela aparência, você se transforma em suspeito, como foram os 12 passageiros que esta semana pegaram o avião em Amsterdã e acabaram detidos — tudo porque trocavam celulares e tinham cara de não-europeus. O aparelho voltou à Holanda escoltado por dois caças F16. Agora me digam: se fossem mesmo terroristas, o que adiantaria escoltá-los? Durante a guerra da Argélia, quando morei em Paris, a polícia me parava freqüentemente na rua. Era confundido com argelino. O passaporte é que me salvava. Agora, a paranóia está muito maior. Com essa cor e feições que Alá me deu por engano — só pode ter sido ele — não sei se teria salvação.
Acho melhor não ir.