Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Terrorismo As origens do 11 de setembro

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Livro revela a seqüência de eventos
que resultou nos atentados e os erros
que impediram o FBI de desbaratar
a tempo a conspiração


Diogo Schelp


Carmen Taylor/AP
Hamid Mir/Reuters
O choque do Boeing 767 numa das torres gêmeas e Zawahiri: ideólogo do ataque suicida

Passados quase cinco anos, o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 ainda é obscurecido por enigmas. O que se tem sobre seus perpetradores, por exemplo, são, de modo geral, informações esparsas. Bem, boa parte desse vácuo acaba de ser preenchida por The Looming Tower (algo como A Torre se Aproxima), do jornalista Lawrence Wright, que chegou às livrarias americanas na semana passada. O livro, ainda sem data de lançamento no Brasil, é o mais detalhado relato da seqüência de acontecimentos que culminou na destruição das torres gêmeas em Nova York. Mas não é só isso. O colunista da revista The New Yorker também examina com perspicácia o mundo sombrio que produziu o terrorismo islâmico – da sociedade primitiva da Arábia Saudita, terra de Osama bin Laden, à classe média do Cairo, na qual cresceu Mohamed Atta, o chefe da operação. Por fim, faz justiça a um personagem épico, o americano John O'Neill, do FBI, que investigou a fundo a ameaça representada pela Al Qaeda, mas, em parte atrapalhado pela burocracia, não conseguiu evitar o ataque.

Quem sabia, por exemplo, que Osama bin Laden se comporta de modo patético em combate? Com base em uma pesquisa minuciosa e mais de 500 entrevistas, muitas delas com amigos, professores e parentes do terrorista, Wright foi capaz de traçar um retrato surpreendente do saudita. Ele não é o gigante de mais de 2 metros de altura que se apregoava, mas um magricela de 1,80 metro. Seu pai, um empreiteiro iemenita que fez fortuna na Arábia Saudita, trocava de mulher como quem troca de roupa. Não se sabe quantas esposas teve – às vezes, aproveitando-se de um recurso legal muçulmano para dar aura de legalidade ao sexo casual ou com prostitutas, ele casava-se à tarde e se divorciava na noite do mesmo dia. Oficialmente, teve 54 filhos com 22 mulheres. Quando Osama tinha 4 anos, seu pai enjoou de sua mãe e a deu como esposa a um de seus empregados.


Tim Boyle/Getty Images
Mazhar Ali Khan/AP
O'Neill, à esquerda, e Bin Laden: faltou ao chefe do FBI a ajuda da CIA

Aos 14 anos, Osama bin Laden encantou-se com a ideologia da Irmandade Muçulmana, o grupo fundamentalista egípcio conhecido pelos inúmeros massacres de turistas estrangeiros e pela notoriedade de um de seus braços, o Hamas palestino. Foi então que rejeitou as roupas e a cultura ocidentais. Quando decidiu lutar contra as tropas soviéticas no Afeganistão, na década de 80, Bin Laden revelou-se mais útil como arrecadador de fundos do que como combatente. Antes das batalhas, ficava oportunamente enfermo e não ia para o combate. A brigada árabe que o saudita montou no Afeganistão – o embrião do que mais tarde veio a ser a Al Qaeda – era mal treinada, desorganizada e indisciplinada. Os guerrilheiros afegãos a consideravam inútil. "Osama tinha mãos macias. Parecia que estávamos apertando a mão de uma menina", descreveu um dos milicianos a Wright.

A questão é: como um comandante medroso e relapso foi capaz de formar um séquito de seguidores fervorosos a ponto de aceitarem morrer sob sua inspiração? Wright apresenta pelo menos três explicações para o fenômeno. A primeira é a habilidade de Bin Laden para se autopromover. O saudita transformou passagens ridículas de sua trajetória em momentos mitológicos. Em uma das poucas ocasiões em que esteve sob fogo inimigo no Afeganistão, Bin Laden, que sofre de pressão baixa, desmaiou. Sua versão do episódio foi bem heróica, com um toque divino: "Eu estava sendo bombardeado, mas tinha tanta paz no coração que acabei dormindo". A segunda explicação é o respaldo intelectual e ideológico do médico egípcio Ayman al-Zawahiri, um terrorista exilado da Irmandade Muçulmana. Foi Zawahiri quem introduziu o conceito do terrorista suicida na Al Qaeda. O terceiro fator da transformação do saudita no terrorista número 1 foi a existência de espaço vago para um líder que desse vazão à frustração do fanatismo muçulmano. As raízes da militância islâmica – a raiva, a rejeição da modernidade, a justificativa para a matança – estão no sentimento de intensa humilhação, escreve Wright. A pretensão do Islã de ser a resposta para todas as coisas explica parte desse comportamento. Mas é notável que a maioria dos terroristas venha de sociedades fossilizadas e com governos autocráticos, incapazes de providenciar qualquer motivo para se acreditar no futuro. A alternativa é o Islã, que oferece dignidade, mesmo na morte. Vivendo no Ocidente, nota Wright, Atta e os outros sentiram essas coisas de modo ainda mais intenso.

É surpreendente, mas Bin Laden e Zawahiri quase abandonaram o plano por falta de voluntários. Por fim, encontraram o grupo de lunáticos que vivia na Europa e estava pronto para o martírio. Nada disso era desconhecido pelo governo americano. Diz Wright que o ataque poderia ter sido frustrado se não fosse a burocracia e a rivalidade que impediam a CIA e o FBI de trocar informações. Por pouco John O'Neill, chefe do setor antiterrorismo do FBI, não se tornou o herói que teria evitado os atentados. As investigações de sua equipe estiveram próximas de descobrir os planos da Al Qaeda. Faltava uma informação que a CIA tinha e não passou – as ligações telefônicas de membros da Al Qaeda no Iêmen para os terroristas infiltrados nos Estados Unidos. O'Neill deixou seu cargo no FBI poucas semanas antes do 11 de Setembro para ser chefe da segurança do World Trade Center. Numa coincidência trágica, ele morreu nos atentados.

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