Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 11, 2006

Míriam Leitão - O susto da economia

Panorama Econômico
O Globo
11/8/2006

O acontecimento de Londres, da descoberta de um plano de atentados em série, provocou queda nas bolsas do mundo inteiro. Por que isso acontece? É uma mistura das péssimas lembranças do passado recente e a falta de informação sobre o futuro. Há um reflexo até instintivo porque as economias dos Estados Unidos e do mundo inteiro sofreram fortemente o impacto do 11 de Setembro. É isso que voltou às mentes nas últimas horas. No pano de fundo um outro medo: os desequilíbrios da economia americana.

Nos aeroportos, tudo parecia perigoso ontem cedo, até o mais inofensivo gel de cabelo. Os equipamentos eletrônicos na bagagem de mão estavam todos banidos. Tudo isso produz atraso de vôo, desconforto dos passageiros, aumento de custo, prejuízos para as empresas. Centenas de vôos foram cancelados e as horas foram de incerteza. A economia não convive bem com a incerteza.

O terrorismo em si é imprevisível, e seus ataques são aleatórios e irracionais. O risco pode vir de qualquer lugar e atacar qualquer um. O mundo viveu há cinco anos um pesadelo que teve repercussões concretas na economia. A lembrança está bem recente. O susto de agora deve passar nas próximas horas ou nos próximos dias. No atentado de 11 de Setembro, a tragédia aconteceu e apanhou o aparato policial de surpresa. O de ontem foi anunciado pela polícia, depois de ser desbaratado. Isso faz toda a diferença.

— O problema é grave, é sério, vai afetar o tráfego aéreo nos próximos dias, mas foi desarmado; dentro de alguns dias deixará de ter efeitos. Não tem paralelo com nenhum dos episódios como o 11 de Setembro, ou o atentado de Londres do ano passado — diz o economista Paulo Leme da Goldman Sachs.

No 11 de Setembro, houve uma onda de demissões, suspensão de todos os novos empreendimentos, aumento de custo de operação de todas as empresas internacionais. A economia deu sinais de estagnação. O risco era de uma recessão mundial. Foi isso que levou a uma queda forte e coordenada das taxas de juros nos principais países do mundo. Os juros caíram ao menor nível em três anos — 1% nos Estados Unidos, 2% na Europa, zero no Japão. A política monetária iniciou a reação que produziu os últimos anos de boom econômico.

A cada novo evento na economia mundial, seja guerra, terrorismo, alta do petróleo, ou todas as alternativas anteriores, outro risco volta a ser considerado: o de que o ajuste da economia americana seja mais forte e danoso do que se espera. Na terça-feira houve um suspiro de alívio porque a decisão do Fed, o banco central americano, foi entendida como um sinal de que a economia estava no caminho de desaceleração gradual sem risco inflacionário. Há quem veja a conjuntura de forma diferente.

O professor Nouriel Roubini, da Stern School of Business, publicou uma análise no jornal britânico “Financial Times” esta semana em que contraria o consenso. “O mundo tem de se preparar para a recessão americana”, sustenta o título do artigo em que o autor eleva para 70% a probabilidade de que a economia americana entre em recessão. Ele acha que foi bom o Fed ter parado a alta dos juros, mas diz que é muito tarde e que os efeitos serão sentidos globalmente. “A recessão americana será disparada por três forças irrefreáveis: desaceleração no mercado imobiliário, alta de preços de petróleo e taxas de juros mais altas”. O impacto será maior porque o orçamento das famílias americanas já está comprometido com alto endividamento e salário real em queda, e, portanto, será difícil suportar esses choques. Ele acha que o efeito da desaceleração imobiliária será mais forte do que a explosão da bolha da internet em 2001. A queda do valor dos imóveis produzirá o que os economistas chamam de efeito riqueza negativo, ou seja, o consumidor se sentirá mais pobre e reduzirá o consumo. Roubini lembra que perto de 30% do emprego criado na última recuperação americana vieram dos impulsos criados pelo mercado imobiliário. Na avaliação do economista, esses fatos já são visíveis nos indicadores de consumo do segundo trimestre.

Paulo Leme não concorda com esse diagnóstico e acha que a probabilidade de uma recessão americana é de 10%. Ele dá 60% à possibilidade de que haja apenas uma desaceleração.

— A economia está desacelerando, continuará assim até meados do ano que vem. Os Estados Unidos estão saindo de um crescimento anualizado de 5% a 5,5% para taxas de 2% a 2,5% no fim do ano que vem. Haverá um reequilíbrio das contas externas que pode se dar de forma ordenada e coordenada, ou de forma desorganizada e abrupta. O primeiro cenário é mais provável — diz Paulo Leme.

Ele lembra que o Brasil não aproveitou o melhor momento para fazer um ajuste fiscal permanente, reduzir o endividamento do estado e fazer reformas que permitam o crescimento sustentado.

Ontem foi de novo dia de ter medo de que a irracionalidade vença e produza seus impactos incontroláveis na economia. Basta entrever uma ameaça, como a de ontem, para nos lembrarmos de que estamos vivendo uma temporada de conflitos intratáveis. 

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