Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 06, 2006

Merval Pereira O espírito da lei

O GLOBO


Assim como, para pegar o gângster Al Capone, foi preciso que a Receita americana atuasse, os procuradores do Ministério Público paulista estão tentando impugnar as candidaturas do ex-prefeito paulista Paulo Maluf e do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha através de pequenos artifícios. Contra Maluf, alegam que não declarou seus bens no exterior — o que não poderia fazer, já que, apesar das evidências, nega possuí-los. E contra o petista João Paulo Cunha, envolvido no escândalo dos mensaleiros e absolvido pelo corporativismo da Câmara, alegam a falta de pagamento de multas. Os procuradores, não apenas os de São Paulo mas de todo o país, terão a partir da próxima semana um instrumento muito mais poderoso, se não para evitar candidaturas, pelo menos para evitar a posse de eleitos que, como Maluf e Cunha, estejam envolvidos com acusações de corrupção.

A decisão do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, de encaminhar aos procuradores regionais eleitorais a petição do deputado Miro Teixeira para que, com base na Constituição, comecem a preparar ações de impugnação de mandatos eletivos “contra quem comprovadamente tenha praticado abuso do poder econômico, corrupção ou fraude e que, por desventura, venha a ser eleito ou reeleito nas próximas eleições” é um passo inicial de um processo que pode mudar radicalmente a política brasileira. Foi Antônio Fernando quem denunciou ao Supremo Tribunal Federal por formação de quadrilha, entre outros crimes, “a organização criminosa” do mensalão.

O fato de o procurador-geral ter encaminhado seu despacho a todos os procuradores nos estados significa que considerou a petição do deputado do Rio procedente, embora não tenha assumido formalmente a tese defendida por Miro Teixeira, e nem esse seria seu papel. Ele só tem iniciativa no caso de impugnação de presidente da República, porque a instância original é o TSE.

Acompanha a petição o seguinte despacho: “Encaminho cópia da petição do deputado Miro Teixeira para que tomem conhecimento e tomem providências que entenderem cabíveis”. Mas não é de hoje que o procurador-geral da República fala em decisões restritivas de tribunais regionais em face à Constituição. Na posse do ministro Marco Aurélio de Mello na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ele falou dos “vícios do processo eleitoral brasileiro”.

Na sua petição, o deputado Miro Teixeira alerta para o fato de que “a urgência das medidas de caráter preparatório, tais como a instauração de procedimentos administrativos e/ou a requisição de documentos ou diligências (art. 7 da Lei Complementar 75/93), é ditada pelas indagações da opinião pública, que está na condição de refém de artifícios legais que garantem a impunidade”. Sem essas providências preparatórias, o prazo de 15 dias para a propositura da ação não seria cumprido.

Miro afirma que tramitam, especialmente no Supremo Tribunal Federal, inquéritos com provas fartamente documentadas contra candidatos ao pleito deste ano, “mas não há possibilidade de conclusão e trânsito em julgado dos feitos até as próximas eleições”. A petição do deputado está baseada no parágrafo 10 do artigo XIV da Constituição, que diz que “o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

Miro lembra que a Constituição foi usada pelo Supremo Tribunal Federal para combater o nepotismo, com base no princípio da moralidade. Na interpretação do deputado Miro Teixeira, “a prova de corrupção impede o mandato, tendo ou não os crimes praticados ocorrido em período eleitoral. Qualquer restrição temporal à aplicação da ordem constitucional tornaria absolutamente inócua a norma, até porque dos crimes relativos às eleições já tratam os institutos próprios e infraconstitucionais”.

Não foi esse o entendimento de técnicos do Tribunal Superior Eleitoral, que emitiram esta semana uma nota em que sugerem que casos concretos venham a ser examinados quando se apresentarem. Ainda haverá o pronunciamento de um dos juízes do TSE, mas a decisão dos procuradores regionais corre paralelamente à decisão.

Miro lembra na petição que “há provas recolhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público que indicam, nas ações descritas, ofensas sem precedentes aos princípios constitucionais da moralidade e legalidade administrativa, suficientes para impedir o exercício de qualquer função pública e, com maior razão, de mandatos eletivos”.

A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Além da atuação do Ministério Público, uma outra ação poderá ser tomada. A ONG A Voz do Cidadão está fazendo uma campanha para que o TSE passe a exigir dos partidos que apresentem uma declaração de bons antecedentes logo no registro das candidaturas. “A legislação de concurso público exige de qualquer cidadão, ou a lei das licitações exige das empresas, ou mesmo os Detrans exigem prontuário de qualquer candidato a motorista diploma bem menos importante do que o de um mandato político”, comenta o publicitário Jorge Maranhão.

Mas essa é uma ação de médio prazo, assim como a mudança da lei complementar das inelegibilidades, que define que apenas os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição, no entender de vários juristas. A ação dos Ministérios Públicos em cada estado, com a confiança que eles inspiram na sociedade, seria a melhor solução, e a mais rápida. Com base na Constituição de 1988, que marca a retomada da democracia no país.


Assim como, para pegar o gângster Al Capone, foi preciso que a Receita americana atuasse, os procuradores do Ministério Público paulista estão tentando impugnar as candidaturas do ex-prefeito paulista Paulo Maluf e do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha através de pequenos artifícios. Contra Maluf, alegam que não declarou seus bens no exterior — o que não poderia fazer, já que, apesar das evidências, nega possuí-los. E contra o petista João Paulo Cunha, envolvido no escândalo dos mensaleiros e absolvido pelo corporativismo da Câmara, alegam a falta de pagamento de multas. Os procuradores, não apenas os de São Paulo mas de todo o país, terão a partir da próxima semana um instrumento muito mais poderoso, se não para evitar candidaturas, pelo menos para evitar a posse de eleitos que, como Maluf e Cunha, estejam envolvidos com acusações de corrupção.

A decisão do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, de encaminhar aos procuradores regionais eleitorais a petição do deputado Miro Teixeira para que, com base na Constituição, comecem a preparar ações de impugnação de mandatos eletivos “contra quem comprovadamente tenha praticado abuso do poder econômico, corrupção ou fraude e que, por desventura, venha a ser eleito ou reeleito nas próximas eleições” é um passo inicial de um processo que pode mudar radicalmente a política brasileira. Foi Antônio Fernando quem denunciou ao Supremo Tribunal Federal por formação de quadrilha, entre outros crimes, “a organização criminosa” do mensalão.

O fato de o procurador-geral ter encaminhado seu despacho a todos os procuradores nos estados significa que considerou a petição do deputado do Rio procedente, embora não tenha assumido formalmente a tese defendida por Miro Teixeira, e nem esse seria seu papel. Ele só tem iniciativa no caso de impugnação de presidente da República, porque a instância original é o TSE.

Acompanha a petição o seguinte despacho: “Encaminho cópia da petição do deputado Miro Teixeira para que tomem conhecimento e tomem providências que entenderem cabíveis”. Mas não é de hoje que o procurador-geral da República fala em decisões restritivas de tribunais regionais em face à Constituição. Na posse do ministro Marco Aurélio de Mello na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ele falou dos “vícios do processo eleitoral brasileiro”.

Na sua petição, o deputado Miro Teixeira alerta para o fato de que “a urgência das medidas de caráter preparatório, tais como a instauração de procedimentos administrativos e/ou a requisição de documentos ou diligências (art. 7 da Lei Complementar 75/93), é ditada pelas indagações da opinião pública, que está na condição de refém de artifícios legais que garantem a impunidade”. Sem essas providências preparatórias, o prazo de 15 dias para a propositura da ação não seria cumprido.

Miro afirma que tramitam, especialmente no Supremo Tribunal Federal, inquéritos com provas fartamente documentadas contra candidatos ao pleito deste ano, “mas não há possibilidade de conclusão e trânsito em julgado dos feitos até as próximas eleições”. A petição do deputado está baseada no parágrafo 10 do artigo XIV da Constituição, que diz que “o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

Miro lembra que a Constituição foi usada pelo Supremo Tribunal Federal para combater o nepotismo, com base no princípio da moralidade. Na interpretação do deputado Miro Teixeira, “a prova de corrupção impede o mandato, tendo ou não os crimes praticados ocorrido em período eleitoral. Qualquer restrição temporal à aplicação da ordem constitucional tornaria absolutamente inócua a norma, até porque dos crimes relativos às eleições já tratam os institutos próprios e infraconstitucionais”.

Não foi esse o entendimento de técnicos do Tribunal Superior Eleitoral, que emitiram esta semana uma nota em que sugerem que casos concretos venham a ser examinados quando se apresentarem. Ainda haverá o pronunciamento de um dos juízes do TSE, mas a decisão dos procuradores regionais corre paralelamente à decisão.

Miro lembra na petição que “há provas recolhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público que indicam, nas ações descritas, ofensas sem precedentes aos princípios constitucionais da moralidade e legalidade administrativa, suficientes para impedir o exercício de qualquer função pública e, com maior razão, de mandatos eletivos”.

A questão que se coloca é: como uma pessoa não pode fazer um concurso público se tiver antecedentes de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Além da atuação do Ministério Público, uma outra ação poderá ser tomada. A ONG A Voz do Cidadão está fazendo uma campanha para que o TSE passe a exigir dos partidos que apresentem uma declaração de bons antecedentes logo no registro das candidaturas. “A legislação de concurso público exige de qualquer cidadão, ou a lei das licitações exige das empresas, ou mesmo os Detrans exigem prontuário de qualquer candidato a motorista diploma bem menos importante do que o de um mandato político”, comenta o publicitário Jorge Maranhão.

Mas essa é uma ação de médio prazo, assim como a mudança da lei complementar das inelegibilidades, que define que apenas os processos com “trânsito em julgado” podem impedir a candidatura ou a posse de alguém, ferindo o espírito da Constituição, no entender de vários juristas. A ação dos Ministérios Públicos em cada estado, com a confiança que eles inspiram na sociedade, seria a melhor solução, e a mais rápida. Com base na Constituição de 1988, que marca a retomada da democracia no país.

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