Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 16, 2006

ELIO GASPARI Quantos seqüestros compram este espaço? O Globo

Hoje, o governo dos Estados Unidos não negocia com bandidos. Ponto. Em 1969, quando uma dúzia de jovens brasileiros seqüestrou o embaixador americano Charles Burke Elbrick, o presidente Richard Nixon estava noutra. Solicitou ao governo brasileiro que tomasse “todas as medidas, repito, todas as medidas” para salvar a vida do diplomata. A ditadura permitiu a transmissão de um manifesto e libertou quinze presos políticos.

Entre a posição de 1969 e a de hoje passou-se não só o tempo, mas acumulouse experiência.

Diante do seqüestro do repórter Guilherme Portanova e do técnico Alexandre Calado pela bandidagem paulista, sem a pressão do acontecimento inesperado, as empresas de comunicação brasileiras estão diante de um problema institucional. Com calma, trata-se de responder à seguinte pergunta: Ocorrendo o seqüestro de jornalista deve-se dar voz aos bandidos? No limite, uma quadrilha poderia seqüestrar o signatário numa terça-feira para obter a publicação de um manifesto neste espaço, na quarta? Exagerando: quantos jornalistas em cativeiro seriam necessários para garantir a uma quadrilha o espaço de uma coluna diária? A melhor resposta é o regime de tolerância zero. A bandidagem saberá, antecipadamente, que as empresas, seguindo uma norma geral, não transformarão seu espaço em numerário de resgate. Uma política de concessões pode custar mais caro em vidas, pois não há como especular onde fica o limite da exigência dos bandidos.

No caso de seqüestro de diplomatas e aviões, as negociações dos anos 70 tornaram-se um estímulo, enquanto a tolerância zero dos 80 mostrouse solução eficaz. Há precedentes que contrariam alguns aspectos dessa argumentação. Em 1995 o “New York Times” e o “Washington Post”, aconselhados pelo FBI, cederam a uma ameaça e publicaram um imenso e delirante manifesto do terrorista Unabomber. Não havia uma ameaça direta e buscava-se também ampliar a investigação. A iniciativa influiu para a captura do bandido, um ano depois.

Num regime de tolerância zero, perdem os jornalistas, pois correm o risco de serem mortos por conta de uma extorsão contra as empresas onde trabalham. Algo como seqüestrar o padeiro para extorquir uma distribuição de bisnagas ao dono da padaria. Havendo esse novo risco, as empresas de comunicação deveriam anunciar que assinarão contratos de seguro de vida para todos os empregados, do porteiro ao diretor. Cada funcionário teria uma cobertura relacionada com o tamanho do perigo a que é exposto pela empresa. Os grandes jornais americanos mandam repórteres para áreas de risco com seguro proporcional ao tamanho da encrenca. Se uma especialização profissional traz mais perigos que outra, a cobertura desse risco deve ser contratada entre os jornalistas e as empresas para as quais trabalham.

Fica entendido que acompanhar regularmente o trabalho de repressão ao tráfico e ao crime organizado não é um serviço semelhante ao da cobertura da chegada do Papa a Aparecida. Pode-se concluir que a profissão de jornalista ficou mais perigosa.

Verdade. Melhor lidar com essa situação do que fingir que ela não aconteceu.

Os jornalistas pareciam blindados diante da crise da segurança pública. O seqüestro de Portanova e Calado mostrou que a bandidagem cortou mais uma fatia do salame. Isso aumenta o tamanho do problema mas também ajuda na busca da solução. Quanto mais gente se der conta de que ou há segurança para todos ou não há para ninguém, melhor.


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