Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 16, 2006

MIRIAM LEITÃO Economia morna

O Globo

Os dados de julho da economia vão trazer algumas boas novas, que compensarão a onda de notícias fracas de junho no item crescimento econômico. Há pequenos sinais antecedentes indicando que julho foi melhor que junho, mas, no geral, as previsões para o PIB começam a ficar um pouco mais baixas agora. Começou na segunda-feira a revisão das previsões de crescimento, com a queda de 3,6% para 3,55%, e a queda continuará nas próximas semanas

Os dados do Pulso Brasil deste mês são de que a propensão para endividamento aumentou. A renda disponível aumentou, e a intenção de compra de linha branca, também. A produção de veículos aumentou, em julho, em 5%, e isso já foi incorporado aos cálculos que indicam que, quando for divulgado, a produção industrial de julho será melhor que junho.

Os números divulgados na segunda pela CNI são de que houve uma queda maior de vendas do que de horas trabalhadas. Isso mostra que haverá uma pressão menor nos preços, mas um risco maior de redução das previsões de crescimento do PIB. Com mais estoques, a indústria produz menos e reajusta menos. Ontem, a FGV divulgou parte da sondagem da indústria de transformação sobre investimentos, mostrando que há mais intenção dos empresários de investir do que no ano passado.

Não há qualquer dado fulgurante sobre a economia brasileira, mas a economia está em um momento positivo. Nada que confirme a euforia com que o governo apresenta os dados. O risco-Brasil tem batido recordes de queda, é fato: mas na segunda-feira estava em 205, enquanto a média dos emergentes estava em 182. A produção industrial caiu em junho 1,7%, enquanto no México aumentou 1,32% em relação a maio e 6,9% em relação a junho do ano passado.

O real continua subindo em relação ao dólar. A CNI mostrou, no dado que divulgou, que o câmbio médio do primeiro semestre do ano passado era de R$ 2,57, enquanto o do primeiro semestre deste ano é de R$ 2,19. O real se valorizou em 15%. Mas os dados do comércio exterior parecem muito bons, principalmente com o forte superávit de julho.

O bom saldo comercial se deve mais ao aumento de preços dos produtos exportados pelo Brasil e esconde o fato de que o resultado é conseguido cada vez por um número menor de empresas exportadoras. O comércio exterior brasileiro está ficando cada vez mais concentrado. Da mesma forma que o crescimento da produção industrial se deve a um grupo cada vez menor de setores, como mostrou o jornal "Valor" na matéria sobre o estudo de Antonio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza.

O Brasil cresce menos que outros países e vizinhos, mas o que cresce está concentrado. Exporta bastante, mas o câmbio alto está espantando setores e empresas. A exportação se concentra em produtos para os quais houve aumento de preço no mercado internacional, o que compensou a valorização cambial.

Há uma fila grande de melhora dos indicadores externos da economia brasileira: a dívida externa caiu, as reservas subiram, as exportações aumentaram, o $ávit em transações correntes tem se mantido ano após ano. A inflação está abaixo da meta. O risco continua caindo. O Brasil pode ser promovido pelas agências de risco em plena temporada eleitoral. Nada disso esconde o fato de que o país cresce menos do que a economia mundial, tem uma taxa de desemprego de dois dígitos e ainda está longe do investment grade. Tem uma dívida alta, gastos públicos crescentes e uma carga tributária que sobe anualmente.

Uma das razões do aumento de gastos em 14% este ano são as várias decisões tomadas pelo governo para aumentar seu apoio eleitoral. O governo deu este ano, não por acaso, o maior aumento do salário-mínimo do mandato, concedeu generosos aumentos para funcionários que vinham sendo negados, prorrogou dívidas dos agricultores, aumentou em ritmo de liquidação a concessão de benefícios sociais, afrouxou todos os parafusos que vinham sendo apertados do gasto público. Tudo isso vai piorar muito a situação fiscal nos próximos anos. Logo em 2007 terão de ser feitos cortes para que a despesa caiba na receita.

O problema é que o Brasil continua preso no mesmo atoleiro de ter alguns dados bons, de vez em quando, seguido de dados ruins. O avanço, quando acontece, é lento, e o país está muito longe de garantir o crescimento sustentado. Para fazer um comentário na reinauguração do Globo Online, comparei os dados de hoje com os de dez anos atrás. Há mudanças espantosas. Um deles: o Brasil tinha 2,7 milhões de celulares em 1996. Hoje tem 91 milhões de celulares. Outro: a carga tributária era de 28,6% do PIB e hoje é mais de 37%. O Brasil tem tido um aumento constante de carga tributária, governo após governo. Os dois dados, juntos, mostram que o setor privado, com todos os problemas e falhas, fez sua parte. O governo optou pelo caminho mais fácil: tirar dinheiro da sociedade. E é essa a pedra no meio do nosso caminho.

Quem tem o ofício de acompanhar o dia-a-dia tem que, para o bem ou para o mal, olhar para o cenário mais amplo às vezes, para não se perder nas miudezas dos números nossos de cada dia.

E o cenário mais amplo continua indicando que a economia americana está ameaçada de entrar em recessão. Ontem a Merrill Lynch avisou que, nas análises dos economistas, o cenário de que a economia global passará por forte desaceleração nos próximos 12 meses está disseminado. A recessão é ainda vista como provável por poucos, mas a desaceleração é quase certeza. Numa situação assim, ficará claro quanto tempo perdemos, indo neste passo de lesma, enquanto o mundo cresce forte.

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