Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Ela pode decidir a eleição

VEJA

No Nordeste, onde Lula esmaga Alckmin,
o voto de um grupo peculiar de eleitoras
pode ser decisivo para definir quem
será o próximo presidente


Julia Duailibi, de Irará, Bahia


Com seus 34 milhões de eleitores espalhados por nove estados, o Nordeste está virando o palco da grande batalha eleitoral deste ano. Ali, onde se concentra o segundo maior colégio eleitoral do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cravou uma vantagem enorme sobre seu principal adversário, o ex-governador Geraldo Alckmin. Na pesquisa do instituto Datafolha divulgada na semana passada, Lula aumentou de 63% para 65% sua cotação entre os eleitores nordestinos, enquanto Alckmin se manteve em modestíssimos 13%. Desdobrando-se os porcentuais, Lula tem cerca de 22 milhões de votos, contra 4 milhões de Alckmin. Se Lula mantiver sua formidável dianteira no Nordeste, ou seja, se Alckmin não conseguir crescer entre os eleitores da região, é quase certo que o atual presidente será reeleito. Por isso, a conquista dos corações e mentes dos eleitores nordestinos tem estado no centro das preocupações dos dois candidatos – nos discursos, nas viagens e nos esboços de programas feitos até agora. Mas que nordestinos são esses que decidirão a eleição? São homens ou mulheres? Foram à escola? Quanto ganham por mês?

Com o auxílio de técnicos do Datafolha, VEJA identificou o segmento do eleitorado nordestino cujo voto, em última instância, poderá definir o resultado da eleição presidencial. São eleitores que estudaram até o nível médio e cuja renda familiar não supera 700 reais. Ao todo, eles comandam 24 milhões de votos. Dentro desse vasto segmento, o grupo numericamente mais expressivo é composto de mulheres de até 44 anos. Em números absolutos, elas formam um exército de 8,5 milhões de eleitoras, que corresponde a 25% do eleitorado nordestino. Esse contingente tem se comportado de forma tão compacta e homogênea na eleição – neste momento, votam majoritariamente em Lula – que sua força se tornou perceptível e mesmo capaz de alterar, ao seu próprio gosto, o nome do próximo presidente da República. Se essas eleitoras ficarem com Lula, como a maioria está hoje, o presidente tem todas as chances de ser reeleito – caso, naturalmente, sua preferência não desabe nas demais regiões. Se uma parte significativa dessas eleitoras se inclinar para Alckmin, e esse movimento vier acompanhado de um crescimento razoável nas outras regiões do país, o tucano volta a ter chances reais de derrotar o atual favorito nas intenções de voto.

 

Orlando Brito
Ricardo Stuckert/PR

GUERRA NO SERTÃO
Alckmin (à esq.), que já fez dez visitas ao Nordeste, e Lula, que abriu sua campanha no Recife: a aposta tucana para reverter a arrasadora vantagem de Lula na região é o horário eleitoral na TV

A decisão, portanto, pode estar nas mãos de mulheres como Gilmara dos Santos Cerqueira, uma baiana de 27 anos, separada e mãe de três crianças. Ela vive em Irará, cidade a 145 quilômetros de Salvador, numa casa de taipa, com chão de terra batida e paredes encardidas. Divide o teto com seus filhos, sua mãe, um irmão e uma cunhada. Formou-se no ensino médio, pensou em cursar pedagogia, mas hoje quer ser enfermeira. "É o meu maior sonho. Mas tenho de fazer tudo sozinha. Com filhos para criar, tudo fica muito difícil. Mas posso conseguir ainda. Sou uma guerreira." A guerreira dá duro o dia inteiro numa creche que já foi um hospital e ganha um salário mínimo. É ela quem sustenta a casa. Não tem dinheiro para comprar um par de óculos de 140 reais para o filho caçula, mas está satisfeita com a vida – e com Lula. "Ele é um homem bom", diz ela, que, como outros 22 milhões de nordestinos, recebe o Bolsa Família – a mais espetacular alavanca eleitoral de Lula no Nordeste . Ela acredita que a reeleição de Lula lhe fará a vida ainda melhor. "Ele olha muito para o povo brasileiro." Gilmara não sabe o que é mensalão. Geraldo Alckmin? "Não conheço."

Em comparação com o eleitorado de outras regiões, o colégio eleitoral nordestino é mais feminino, mais católico e menos escolarizado que os demais. Por que será que Lula ganhou esse eleitor – pelo menos até agora – de forma tão arrebatadora? A resposta fácil é dizer que Lula também é nordestino e, por ter sido pobre, tem identificação com esse eleitor. Isso não é mentira, mas não é também toda a verdade. A análise mais correta indica que o eleitor nordestino, assim como o eleitor brasileiro em geral, não dá muita importância à origem do candidato, seja social, seja geográfica. Vota com o bolso, uma característica comum a muitas democracias. Quem não se lembra do refrão de Bill Clinton, "É a economia, estúpido", com que arrancou da Casa Branca George Bush, o pai, negando-lhe em 1992 um segundo mandato? Bush vinha de uma vitória épica no Iraque, mas o país chafurdava em uma teimosa recessão econômica. Lula não tem triunfos épicos a apresentar, mas o Brasil vive um de seus melhores momentos econômicos – tanto no mundo real como no decisivo universo das percepções subjetivas .

É a primeira vez, desde a redemocratização em 1985, que o Nordeste pode assumir um peso tão decisivo no resultado final de uma eleição. Isso acontece porque nunca antes um candidato obteve sobre o segundo colocado uma dianteira tão expressiva como a que Lula tem sobre Alckmin. O que as próximas semanas de campanha vão mostrar é se essa vantagem de Lula é inamovível. Os estudiosos de pesquisas são unânimes em dizer que o tucano deve crescer no eleitorado nordestino já a partir desta semana, quando estréia o horário eleitoral gratuito. Afinal, cerca de 50% dos eleitores da região mal ouviram falar no tucano. Com os programas na TV, esse índice tende a cair, e é razoável supor que parte dos que venham a conhecer o candidato escolha votar nele. "Ninguém com bom senso imagina que essa diferença no Nordeste vai ser mantida", diz Sérgio Guerra, tucano de Pernambuco que coordena a campanha de Alckmin. Os petistas desprezam essas previsões. "Os tucanos acham que a TV só favorecerá a campanha deles. O favoritismo de Lula vai se consolidar ainda mais", diz o petista Marcelo Déda, um dos articuladores da campanha de Lula no Nordeste.

Até agora, pelas razões numéricas descritas acima, os tucanos têm se empenhado mais que os petistas na abordagem ao eleitor nordestino. Desde o início de junho, quando começou a andar pelo país, Alckmin já visitou a região dez vezes. Um recorde nacional. Há duas semanas, em viagem ao Recife, lançou um programa concebido especialmente para a região – e batizado com o originalíssimo nome de Novo Nordeste. O programa contém catorze propostas, na maior parte apenas generalidades, como a defesa da "preservação do meio ambiente" e a aplicação de "políticas sociais diferenciadas". Ou seja, seu poder eleitoral é nulo. Neste fim de semana, o tucano planejava abrir sua agenda com visitas à Bahia e a Alagoas. No fim de semana seguinte, a idéia é começar pelo Piauí. Os tucanos estão ocupados em abrir comitês eleitorais próprios em todas as capitais nordestinas. Até agora, estão instalados em duas – Recife e Fortaleza. Lula, por seu turno, visitou o Nordeste apenas quatro vezes desde o começo de junho, mas fez questão de inaugurar sua campanha com um comício numa favela do Recife.

Ganhar o voto nordestino sendo representante da oposição não é fácil – historicamente. Depois de viver o apogeu do coronelismo durante a República Velha (1889-1930), a política nordestina começou a se transformar, ceifando gradualmente a influência de seus velhos coronéis, sobretudo depois da diáspora rumo aos centros urbanos. Mas boa parte dessa realidade ainda subsiste. A região mantém vivas suas oligarquias, em especial na Bahia de Antonio Carlos Magalhães e no Maranhão de José Sarney. "Essas mudanças são lentas e não representam o fim da oligarquia. Isso não acabou. Olhe o exemplo de Severino Cavalcanti, que tem chances de ser reeleito deputado federal. Há práticas usadas hoje muito semelhantes às que eram empregadas antes da Revolução de 30", diz o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco. Além disso, como que para comprovar que permanece forte um dos traços mais característicos do coronelismo, ainda é irresistível a força de atração exercida pelo poder central sobre a elite política local ­­ e, por extensão, sobre parte do eleitorado.

Pela teoria das alianças partidárias, Alckmin tem o apoio da maioria dos governadores nordestinos. São cinco os governadores, entre eles os três que comandam os principais estados (Bahia, Pernambuco e Ceará). Isso, na teoria. Na prática, num sinal de que se afastar do poder central ainda é um exercício dificultoso, o baiano Paulo Souto, do PFL, e o cearense Lúcio Alcântara, do PSDB, ignoram Alckmin em suas peças publicitárias. O mesmo fenômeno se repete entre os líderes das disputas aos governos estaduais do Nordeste. Dos nove candidatos que ocupam a dianteira nas pesquisas, cinco estão com Lula – e o fazem abertamente. Os outros quatro estão com Alckmin, mas lhe dão um apoio discreto, quase envergonhado. Dos 1.800 municípios do Nordeste, 60% são administrados por prefeitos que pertencem a partidos que apóiam Alckmin. Só 25% são de partidos pró-Lula. No entanto, os prefeitos arrastam asa para Lula por duas razões: os orçamentos das prefeituras dependem fortemente de verbas federais e o eleitor está majoritariamente com Lula. Como a baiana Gilmara dos Santos Cerqueira.


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