| EDITORIAL |
| O Globo |
| 12/5/2006 |
Quando entrar hoje nos salões do encontro de líderes da América Latina, Caribe e Europa, em Viena, na Áustria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deixará de ser saudado com a pompa que o seu cargo merece. Mas a atmosfera em torno do presidente em nada deverá lembrar os tempos logo após a posse no Palácio do Planalto, quando começou a ser executada a estratégica diplomática de construir a imagem globalizada do operário que chegou lá para redimir os pobres. E não apenas os pobres brasileiros. Novidade no circuito político internacional, Lula foi personagem central no Fórum de Davos, dividindo espaço no resort dos Alpes suíços com nomes de primeira grandeza na esfera diplomática e dos negócios bilionários. A imprensa do Primeiro Mundo abria-lhe generosos espaços. Provocava repercussões mesmo quando sugeria fórmulas exóticas para o combate à pobreza planetária, como a constituição de um fundo nutrido por uma taxação sobre o comércio de armas, numa ligação esdrúxula entre a vida e a indústria da morte. Lula herdou uma agenda farta de conversações diplomáticas construída a partir da Rodada de Doha, de liberação dos mercados, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, e da proposta feita ainda por George Bush pai, de constituição da Área de Livre Comércio das Américas, Alca. Demonizado pelo PT e aliados, o projeto da Alca passou a segundo plano no governo Lula. Em troca, Brasília, sob os novos donos do poder, executou uma ampla operação para aglutinar países emergentes e pobres e com isso aumentar o poder de barganha nos embates na OMC com o bloco dos Estados Unidos, Europa e Japão para o corte de subsídios agrícolas e a redução de barreiras tarifárias. O surgimento do G-20, puxado por Brasil, China, Índia e África do Sul, foi um êxito da diplomacia nacional. Mas ao mesmo tempo, com o assessor especial para assuntos externos, o militante petista Marco Aurélio Garcia, Lula iniciou uma operação para projetar uma sombra de liderança sobre a América Latina. Ora colocando-se ao lado do caudilho Hugo Chávez, da Venezuela, ora apoiando abertamente candidaturas de esquerda na Bolívia (Evo Morales) e no Uruguai (Tabaré Vázquez), Lula aplainava o terreno para desfilar como o grande líder continental. A estratégia foi a pique. O Lula que desembarcou na Áustria enfrenta sérias dificuldades no continente, despediu-se do sonho da liderança regional inconteste e ainda corre o risco de não obter qualquer vitória relevante com o G-20 — e tudo isso sem poder recuar e retomar para valer o tema da Alca. Afinal, os Estados Unidos, diante da resistência brasileira e argentina à Alca, exercida em nome do Mercosul, têm executado com êxito a tática de isolar Buenos Aires e Brasília por meio de acordos bilaterais já fechados ou em negociação no continente. Tem sido assim com Chile, Colômbia, Equador, Peru e, para espanto de Lula e companheiros, o Uruguai poderá ir pelo mesmo caminho. A intenção manifestada por Tabaré Vázquez de firmar um tratado com Bush representará a saída automática do Uruguai do Mercosul e agravará a crise em que já se encontra a aliança comercial. E como Néstor Kirchner acaba de decretar assunto de interesse nacional argentino a campanha contra o projeto uruguaio de duas fábricas de papel do outro lado do Rio Uruguai, Montevidéu está cada vez mais próximo de Washington. Entre os escombros da diplomacia de Lula para a região, emerge como líder de parte da América Latina o caudilho venezuelano Hugo Chávez, mais interessado, junto com Fidel Castro, em montar uma cabeça-de-ponte contra os Estados Unidos do que em ajudar a promover o efetivo desenvolvimento integrado da região. Liderança esta comprada com petrodólares, cacife que falta a Lula. Chávez mistura como ninguém diplomacia com ideologia. O governo Lula, rompendo com as boas práticas históricas do Itamaraty, fez o mesmo. Daí a derrocada de sua política externa. As lições de prudência, racionalidade e multilateralismo do Barão do Rio Branco foram engavetadas. O resultado é a crise com a Bolívia do pretenso amigo Evo Morales — incentivado por outro muito amigo, Chávez — na qual está envolvida a Petrobras e se encontra em jogo metade do abastecimento de gás do Brasil. Um diplomata experiente diagnosticou com propriedade um dos males da política externa lulista: "hiperatividade". A ânsia de lançar-se como liderança regional, também com objetivos políticos internos, estimulou animosidades, semeou desconfianças. A Argentina nunca escondeu a resistência ao desejo brasileiro de uma cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU. E, não sem motivos, o Brasil deixou de ser apoiado por latino-americanos para nomear o presidente do BID e o diretor-geral da OMC. O Brasil de Lula apostou na visão esclerosada, das décadas de 60 e 70, do conflito Norte-Sul — e perdeu. Aliados no G-20 como Índia e China estão mais interessados em vender para os americanos e absorver sua tecnologia do que em se contrapor a eles. Emparedada na América Latina, à diplomacia brasileira resta, a curto prazo, trabalhar por um desfecho positivo na fase final da Rodada de Doha. Mas as perspectivas também não são promissoras, com os sinais de que os EUA não estariam mais interessados num acordo, preferindo reaproximar-se dos antigos aliados europeus, os campeões do protecionismo. Ao comparecer ao Senado, terça-feira, o chanceler Celso Amorim revelou haver um desconforto com as posições de Chávez e Morales. Vem tarde a constatação. Pelo menos indica que ainda há alguma capacidade de análise fria no Itamaraty. Se ela será capaz de evitar mais derrotas, impossível prever. |
Entrevista:O Estado inteligente
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