Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 17, 2006

O preço da segurança Norman Gall



Artigo -
O Estado de S. Paulo
17/5/2006

As atrocidades cometidas pelo Primeiro Comando do Capital (PCC) no fim de semana do Dia das Mães surgiram em contraponto ao dramático melhoramento na segurança pública no Estado de São Paulo nos últimos anos. Com tudo isso a grande mobilização do PCC nos presídios e nas periferias de algumas cidades, espalhando terror na população, exige novas iniciativas estratégicas e estruturais das instituições públicas à altura desse desafio. Tais iniciativas vão custar caro em esforço e dinheiro. A sociedade vai ter de pagar o preço da segurança.

Desde 1999 o número de homicídios e latrocínios no Estado caiu quase pela metade, de 13.599 para 7.640 em 2005, seguindo uma curva tão impressionante como a de Nova York na década de 1990, ainda que nossas taxas permaneçam bem acima dos padrões civilizados. Essa melhoria tem várias causas - mais investimento público nas periferias, mais e melhor policiamento, apreensão de 184 mil armas ilegais, 467 mil prisões, mais 36 mil vagas prisionais, melhor uso de dados criminais - e se deve em grande parte ao excelente desempenho de Saulo de Castro Filho como secretário de Segurança Pública e Nagashi Furukawa como secretário de Administração Penitenciária.

Os acontecimentos dos últimos dias mostram que essas melhorias não são suficientes para parar o terrorismo desses bandos. O fato de muitos dos bandidos mais perigosos estarem nas penitenciárias é uma causa importante da queda de homicídios. Porém, enquanto o número de penitenciárias e presos neste Estado quadruplicou desde 1993, o total de carcereiros, mal pagos para trabalho perigoso, só dobrou, facilitando a impunidade dentro das prisões e a capacidade dos chefes presos do PCC de dirigirem ataques em grande escala contra a sociedade. Como desafiou o chefe do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, a um chefe da Polícia Civil: "Eu posso entrar numa delegacia e matar policiais. Vocês não podem entrar no presídio para me matar." Os jornais informam - e as autoridades estaduais negam - que os ataques e rebeliões pararam, rapidamente, somente após uma reunião entre Marcola, sua advogada e dois policiais. Seja qual for o caso, fica claro que enfrentamos uma guerrilha urbana bem coordenada, com recursos financeiros e uma estratégia político-militar inteligente.

O fato de as rebeliões se terem espalhado para Estados vizinhos a São Paulo, e o controle da vida das prisões envolver questões constitucionais, leva esses desafios para a esfera federal. Definem a segurança pública como prioridade federal. Vão muito além da oferta patética de Lula de enviar ou não tropas federais para as cidades afetadas, até porque essa "Força Nacional de Segurança Pública" é espalhada, com pouco treinamento, entre várias polícias estaduais.

No governo federal, a política de segurança pública foi negligenciada tanto pelo governo de FHC como de Lula. O governo federal precisa construir urgentemente mais presídios federais para isolar os presos mais perigosos, evitando sua comunicação à vontade por celulares com seus comparsas lá fora para encomendar e coordenar barbaridades como as que vimos nos últimos dias. No governo Lula, o déficit de vagas prisionais no País triplicou para 154.843, enquanto o fundo federal para construir penitenciárias acumulou R$ 297 milhões, sem serem gastos.

Precisa também construir bancos de dados sofisticados, com cobertura nacional e internacional, para combater o crime com mais agilidade e inteligência; reforçar e modernizar a ainda mal dotada Polícia Federal (PF); expandir e modernizar os recursos humanos e técnicos de perícia criminal; criar um instituto de estudos e pesquisas de segurança pública para guiar a incorporação de novas tecnologias e modelos de gestão nas polícias estaduais. Lamentavelmente, tais tarefas não estão sendo realizadas adequadamente na estrutura atual de gestão de segurança pública no plano federal.

Atualmente, as ações federais de segurança se concentram no Ministério da Justiça. Ali a segurança não pode ser prioridade porque o titular da pasta tem um excesso de responsabilidades, entre elas naturalização de estrangeiros, proteção ao consumidor, reforma judicial, índios, mudanças legislativas, anistias políticas e supervisão da PF. Além dessas funções, o atual ministro, Márcio Thomaz Bastos, teve de dar assessoria jurídica ao presidente Lula nos escândalos recentes. Por isso, num plano nacional para segurança pública editado no começo do governo Lula (Braudel Papers nº 34), o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial recomendou a criação de um Ministério de Segurança Pública para a proteção da sociedade civil. A segurança pública deve ter prioridade federal na ordem institucional ao menos igual ao turismo e à cultura, que têm seus próprios ministérios.

Muitos ministros da Justiça têm sido advogados criminalistas que, na sua carreira profissional, se dedicaram à defesa de infratores de grande porte. Por isso mostram um viés profissional nas suas interpretações constitucionais a favor da defesa de "direitos humanos" nos casos criminais. Por exemplo, no Brasil não é permitido às polícias infiltrar agentes seus nos bandos criminosos, privando as instituições públicas dos instrumentos e métodos usados em outras democracias, como EUA, Inglaterra, Espanha e Itália, para debilitar e derrotar grupos terroristas e o crime organizado. Outra ação nesse sentido foi a recente decisão judicial a favor da progressão de pena para os culpados de crimes hediondos. Outra decisão reduziu o tempo que um preso pode ficar em regime de isolamento. Ainda mais, com ampla suspeita dos advogados como mensageiros em comunicações entre chefes criminosos presos e seus colegas fora dos presídios, os tribunais proíbem visitas monitorados por violarem a privacidade da relação advogado-cliente. É como as instituições públicas deixam de fazer uma escolha política entre a privacidade do preso e a proteção da população.

Esses, a meu ver, são os problemas institucionais revelados pelo terrorismo que vivemos nestes últimos dias.

Norman Gall é diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial

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