Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 11, 2006

É fácil sangrar o Tesouro



editorial
O Estado de S. Paulo
11/5/2006

O que de imediato chama a atenção no mais novo escândalo nacional - uma versão atualizada e enormemente ampliada daquele que produziu a CPI dos Anões do Orçamento - é o mundo não vir abaixo com a acusação de que 170 deputados federais, ou 1 em cada 3, teriam participado do esquema de venda superfaturada de ambulâncias para prefeituras com dinheiro federal, em licitações fraudadas. A participação das excelências consistia em incluir no Orçamento da União emendas para a aquisição dos veículos em centenas de municípios. Os prefeitos beneficiados obviamente estavam por dentro da mamata.
Liberados os recursos e finalizada a tramóia, os parlamentares autores das emendas ficavam com algo entre 10% e 15% do butim. Apenas em 2004 e 2005, dos R$ 220 milhões gastos pelo Ministério da Saúde com ambulâncias para municípios, a metade, precisamente, está sob suspeita. É claro que se trata de um crime continuado o que a Polícia Federal passou a investigar na chamada Operação Sanguessuga. Impossível dizer quando começou, muito menos quando - ou se - terminará. Só este ano, e estamos apenas em maio, 261 deputados apresentaram emendas do gênero, segundo a ONG Contas Abertas. Desses, 17 já estão na mira dos federais.
Quem apontou os 170 nomes foi a assessora especial da Saúde Maria da Penha Lino.
Presa pela PF na quinta-feira passada e demitida no dia seguinte, ela se ofereceu para contar o que sabe, no arranjo conhecido como delação premiada, para fazer jus a uma pena menor do que teria de outro modo, ou mesmo à absolvição.
Antes de ir para a Saúde, Maria da Penha trabalhou para a empresa mato-grossense de montagem de ambulâncias, a Planam, que pagava propinas a deputados nos seus próprios gabinetes. O dinheiro chegava escondido em malas, blazers, meias e - nada de novo sob o sol - cuecas, para passar pelos detectores da Câmara.
A assessora também tinha sido secretária do deputado peemedebista José Divino. O ministro que a contratou, Sa 
 
 
O grande negócio fraudulento das ambulâncias para as prefeituras 
 
 
raiva Felipe, também do PMDB, diz que o fez a "pedido insistente" do parlamentar. Esses detalhes são importantes porque representam dentes de uma engrenagem entranhada nas relações promíscuas entre o poder público (prefeituras, Congresso e Executivo) e "empresários" espertalhões. O seu espaço de atuação é o processo de elaboração orçamentária. O grande número de políticos envolvidos - além dos deputados, ela citou o senador Ney Suassuna, líder do PMDB - indica a facilidade com que se pode sangrar o Tesouro.
Não há nada de "assustador", portanto, na amplitude da lambança, ao contrário do que comentou o líder do governo na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia. Assustadora é a vulnerabilidade dos cofres federais - melhor nem falar dos estaduais e municipais - às investidas dos sanguessugas. E, do que se sabe até agora, eles estão em praticamente todos os partidos. As aparentes exceções são o PT, o PC do B e o Prona. Sejam eles 62, como de início informou a Polícia Federal, ou 170, de acordo com a verossímil contagem de Maria da Penha, ou - por que não? - mais ainda, o essencial não são nem os seus nomes, mas os mecanismos graças aos quais logram consumar as suas malfeitorias, ano após ano. É a "cadeia produtiva" da fraude, na expressão do jornal
Valor, imune a dispositivos antifurto. O ponto de partida é o sistema que permite a privatização de parte dos recursos da União por quadrilhas que disso tiram o seu sustento - financeiro, no caso dos fornecedores de bens e serviços a governos; financeiro e político, no caso dos seus cúmplices eleitos ou nomeados. Os líderes parlamentares falam agora em moralizar o processo orçamentário, reduzindo de 81 para 27 os membros da Comissão de Orçamento e acabando com as emendas coletivas.
O pensamento que consola é que o Executivo está hoje mais apetrechado do que ao tempo dos Anões, se não para prevenir, decerto para apanhar sanguessugas. Não é pouco o que a Polícia Federal vem fazendo desde que foi acionada pela Controladoria-Geral da União, mais apta, desde o governo passado, a farejar mutretas. Resta saber se, também desta vez, a Câmara tentará transformar tudo em pizza - no caso, uma pizza gigante que a instituição não conseguirá digerir.

 

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