Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 14, 2006

E o Brasil continua 'estarrecido...'Alberto Tamer*

OESP


"Estarrecido, chocado , indignado, surpreso, perplexo." Essas reações do Planalto e do Itamaraty, o eterno conciliador em negociações nas quais saímos sempre perdendo, são simplesmente ingênuas e anódinas. Só eles, entre os 180 milhões de brasileiros, não sabiam desde o início dessa história da Bolívia do revoltado líder Evo Morales, mais do que previsível.

POBRE, MAS BRASILEIRO

"Sabe, vamos levar muita pancada desse cara e já devíamos ter respondido com algumas porretadas. Mas a gente só fala e apanha." Sabem quem me afirmou isso? Um motorista de táxi, em São Paulo, na tarde de sexta-feira. Um representante da reação do povo, pobre mas brasileiro, retratada também nas dezenas de e-mails que continuo recebendo até hoje, alguns de presidentes e diretores de empresas, mas a maioria de gente simples.

O taxista não tinha computador, só ouvia o rádio, mal conseguia sustentar os dois filhos. Mas, nestes dias, pouco ligava para sua pobreza. Estava revoltado. Era pobre, mas patriota, defendia seu País que quase nada lhe dava.

Esse é o símbolo da reação do povo ao que está ocorrendo entre o Brasil e a Bolívia. Somos pobres, ganhamos mal, mas somos brasileiros, diziam todos.

Conto o fato só para ilustrar o clima interno.

E O QUE FAZER? XINGAR?

O que se pode e deve fazer agora? Há que se agir em duas áreas. Na diplomática, reagir à altura, nada de dizer que a Bolívia é um irmão pobrezinho e nós, "ricos", devemos ajudá-la, como disse Lula. Há que se responder com uma dureza, nada dos floreios diplomáticos. Chega!

No fundo, mesmo com os milhões que Hugo Chávez está jogando lá, a Bolívia, ou melhor, o criador de coca Evo sabe que o Brasil é o único mercado para o seu gás. E a Bolívia só tem isso, gás, coca e miséria. Talvez ele nem saiba disso, pois está alucinado pelo poder, age à revelia dos seus próprios assessores.

Convocado pelo vice-presidente, Alvaro García Limera, também surpreso com o destempero de Morales, o presidente da YPFB, Jorge Alvarado, tentou baixar as tensões, as negociações continuam "são muito promissoras" e o seu chefe "não falou só da Petrobrás, mas de todas as empresas de um modo geral."

E a má-criação, o destempero de Morales? Aí somos nós, jornalistas, como sempre, acusados de irresponsáveis. "Interpreto assim: às vezes os jornalistas nos fazem dizer coisas que não estamos dizendo."

Ele sabe que, sem o mercado brasileiro, a sua empresa quebra, a Bolívia quebra, o que seria uma tragédia para seu povo, sua miséria.

No fundo, há uma profunda divisão interna no governo boliviano em que se pretende receber mais pelo gás que vende, onde nada investiu, e não romper com o Brasil, como Evo fez. Há de continuar negociando com os raros responsáveis.

LIVRAR-SE DO GÁS BOLIVIANO

Mas a prioridade técnica é da Petrobrás, que já conseguiu a auto-suficiência brasileira de petróleo. Cabe agora, por enquanto, aceitar o que os bolivianos querem, mas livrar-se o mais rapidamente deles, buscando também a auto-suficiência do gás. Em uma primeira etapa, reconverter as usinas e as empresas que usam gás por óleo.

Ao mesmo tempo, enquanto apressa a exploração das reservas de gás de que dispomos, associamo-nos a grandes empresas multinacionais, confiáveis e interessadas no Brasil - são até nossas clientes! -, para importar gás liquefeito. É mais caro? Sim. Muito mais caro. Mas a tranqüilidade e a economia que as empresas vão fazer ao retornar ao gás acabarão compensando os custos, mesmo com prejuízos de curto prazo. É o preço a pagar pelo erros do passado.

Aliás, isso já deveria ter sido feito e só não se fez por falta de recursos financeiros nacionais.

Aqui há grande margem de discussão. Alguns afirmam que as instalações para desliquefazer o gás líquido e transformá-lo em gás natural podem demorar de 2 a 3 anos. Há empresas que já se propuseram a fazer isso em 180 dias. Não se sabe se isso é possível. Mas seja qual for o tempo, seja qual for o prejuízo, um fato é evidente: mesmo que Evo não dure muito no poder, as empresas brasileiras não podem mais confiar na Bolívia. Conseguimos em 50 anos obter a autonomia no abastecimento de petróleo, uma grande vitória sem dúvida. Temos gás!

MAS AGORA É URGENTE

Fazer isso num prazo bem mais curto, explorando as nossas reservas potenciais de gás, estimadas em 880 bilhões de m3, 300 bilhões dos quais já confirmados. Isso é menos da metade das reservas bolivianas, de 620 bilhões de m3, menores, portanto, do que a nossa reserva potencial. Ou seja, atentem para isso. Temos mais gás do que a Bolívia! São estimativas do Instituto Brasileiro de Petróleo.

'AUTONOMIA' MESMO IMPORTADA

A única saída estratégica que resta a curto e médio prazo é o gás liquefeito e a retransformação das instalações de gás para petróleo. Tudo é caro, muito caro, mas, por mais caro que seja, o Brasil, a indústria brasileira, tem de buscar "autonomia" em relação a países onde prolifera a irracionalidade de governantes tresloucados.

E olhe que a safra deles está aumentando assustadoramente na América Latina. O único lúcido mesmo foi o esquerdista, mas não idiota, presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, que mandou às favas o Mercosul no qual, apesar das agressões argentinas, continuamos fazendo papel de bobos cordiais.

* E-mail: at@attglobal.net

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