Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 16, 2006

Dora Kramer - O uso da força





O Estado de S. Paulo
16/5/2006

Concepção 'humanista' de segurança subtrai do Estado poder de repressão ao crime

O surto guerrilheiro do crime organizado vai passar, os lamentos pelos mortos vão se amenizar e daqui a pouco não se falará mais no assunto. Até a próxima crise de violência estourar, causando temporária comoção popular, mobilização de autoridades, indignação geral, muitos apelos a providências e ações emergenciais de eficácia zero.

Assim ocorre há anos numa sucessão de episódios cada vez mais aterrorizantes e comprobatórios de que o Estado perdeu para o crime o monopólio do uso da força e que ninguém, poder público e sociedade, sabe o que fazer.

Culpam-se os governos e é natural que assim seja, embora não seja normal que as coisas se esgotem por aí, em protestos, em trocas de imputação de responsabilidades, não raro de caráter político-eleitoral.

Desta vez, a guerra do crime contra São Paulo foi tão chocante que os políticos deram mais atenção à urgência de união de esforços nacionais que à tradicional luta de culpas para aliviar consciências e tirar proveito de uma situação cujos únicos vencedores são os fora-da-lei.

Na raiz do problema, diz o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que ontem conversou a respeito com o presidente Luiz Inácio da Silva e com o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, está o conceito equivocado ("e frouxo") de segurança pública que desconsidera a urgência de o País ter uma política de repressão e faz excessivas concessões a uma visão de defesa dos direitos humanos que acaba por deixar em segundo plano os direitos de ir, vir e viver da sociedade em geral.

Aldo Rebelo é do PC do B, considera-se um homem de esquerda. Mas acha que, no tocante ao combate ao crime, o pensamento de esquerda presente nas origens políticas do atual presidente da República e de seu antecessor dá uma nefasta contribuição ao constrangimento que o poder público tem de exibir toda a sua força para reprimir a criminalidade.

"É compreensível a preocupação do humanista de não se deixar marcar pela truculência. Mas é preciso compreender também, e principalmente, que o crime organizado já estabeleceu ele mesmo a regra da violência e o cidadão hoje é refém dela."

O presidente da Câmara dos Deputados vê nesse tipo de ação uma ameaça direta à democracia e uma agressão à soberania do Estado: "Objetivamente, o crime subtraiu funções que são do poder público, impôs o toque de recolher em São Paulo e retirou da população seus direitos mais elementares."

Na opinião de Aldo Rebelo, é preciso dar às polícias condições legais para agir com mais firmeza e sem limites de atribuições.

"O crime não tem fronteiras nem limitações, enquanto o Estado fica preso a restrições, em posição de franca desigualdade frente aos bandidos. O mercado do narcotráfico é nacional e assim os traficantes se organizam. Por isso tomam conta de São Paulo e dão o sinal de que podem fazer o mesmo em outros Estados, dada a interligação de suas redes criminosas."

Aldo defende a união de esforços das polícias, dos governos dos Estados, das Forças Armadas, das instâncias federais do Poder Executivo, do Congresso para mudar leis se preciso for, dos serviços de inteligência e principalmente do atendimento à demanda da sociedade, segundo ele claramente expressa no resultado do plebiscito sobre a proibição da venda de armas.

"Por que os defensores da proibição perderam? Porque o outro lado fez o discurso do direito de ter uma arma, abordou o assunto sob o enfoque da segurança do público e não pela ótica fantasiosa da conquista da paz e do paraíso a poder de boas intenções."

Na opinião do presidente da Câmara, ainda não se fez uma "leitura" correta do resultado daquele plebiscito, muito em função da resistência dos derrotados de enxergar as coisas com clareza.

Os fatos, objetivamente como estão postos, acredita Aldo Rebelo, indicam a derrota paulatina da concepção idílica segundo a qual o crime tem sempre e na sua totalidade suas causas ligadas à injustiça social.

O risco que se corre ao se insistir no constrangimento de usar os recursos de força atinentes ao Estado é a concepção realmente truculenta - aquela que defende até a subtração de valores democráticos no combate ao crime - terminar prevalecendo na sociedade.

Em miúdos, enquanto os "humanistas" ficam reféns de suas concepções ideológicas, os "brucutus" ganham terreno e, amanhã ou depois, podem vir a implantar seus métodos com pleno apoio popular.

"Esse pessoal não vive nas periferias e nos morros debaixo de balas perdidas. Agora, em São Paulo, o que houve foi a extensão a toda uma cidade de uma situação vivida diariamente nas áreas tomadas oficialmente pelo crime. Isso mostra uma escalada perigosa de confrontação do Estado de Direito dos cidadãos."

De acordo com Aldo, "o Estado não compreendeu sociologicamente" a realidade de ação do narcotráfico e, se não compreender em breve tempo, não vai conseguir adotar medidas compatíveis com esse tipo de crime, de extensão nacional e até internacional.

 

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