Antonio Gonçalves Filho
Não é só o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia que fala grosso e sobe o tom com o Brasil. O que parecia uma briga política atravessou a fronteira e já chegou à literatura, como prova Impávido Colosso (Record, 240 págs., R$ 40,90), novo livro do escritor colombiano Daniel Samper Pizano, que chega amanhã ao Brasil para seu lançamento. O autor, naturalizado espanhol, concedeu uma entrevista ao Estado na qual, analisando a situação de conflito entre o Brasil e a Bolívia e a disputa pela liderança da América Latina, definiu Lula como representante da "esquerda clássica e reformista". Já o presidente venezuelano Hugo Chávez , segundo Samper, representaria "uma esquerda mais populista e emotiva", o que lhe daria maiores chances de liderar o bloco latino, como reconhecem, ainda segundo o escritor, os próprios americanos. Não sem razão, a revista Times colocou Chávez como único ibero-americano entre as 100 personalidades mais influentes do mundo, justifica o polêmico Samper.
A convite da 23ª Feira do Livro do Colégio Miguel de Cervantes, o escritor estará em São Paulo na sexta-feira para participar justamente de uma mesa-redonda sobre o Brasil dos anos 1970, anunciada com o nada sutil título de O Castelo de Areia do Milagre Brasileiro. É sobre esse tema que versa o debochado Impávido Colosso. Seu autor não poupa ironia ao descrever o Brasil da ditadura militar. Samper narra uma experiência pessoal. Convidado pelo governo Médici para uma série de inaugurações de complexos petroquímicos e uma visita à Transamazônica, ele aproveitou a experiência e soltou o verbo.
Tratado como um sultão pela ditadura, que esperava transformar os jornalistas latinos em arautos do milagre econômico, o protagonista de Impávido Colosso, Carmelo Camacho, não se deixou seduzir por festas ou discursos oficiais. Ao contrário. Com alguns de seus colegas passou a investigar cifras suspeitas e a visitar pessoas que não comeram nenhuma fatia do bolo do ex-ministro Delfim Netto, pai do "milagre".
Como Samper, a literatura latina está cheia de exemplos de escritores que fizeram duras críticas ao Brasil do pré e pós-milagre. O Estado entrevistou alguns autores e professores de literatura. Constatou que a imagem do Brasil não é das melhores na América hispânica. Somos vistos como um país imperialista, responsável pela desgraça econômica de 'hermanos' menores, como aponta o escritor uruguaio Roberto Echavarren. O autor de Ave Roc acusa o Brasil de "irresponsável" por provocar uma grave crise econômica em seu país ao desvalorizar o real há sete anos.