| artigo - Por Martin Wolf |
| Valor Econômico |
| 10/5/2006 |
Na semana passada, tive o prazer de servir de moderador num seminário de diretores de bancos centrais sobre o tema do desequilíbrio global nos [balanços de] pagamento, no encontro anual do Asian Development Bank (ADB), em Hyderabad. A discussão deixou ainda mais claro do que antes até que ponto a irresistível força do desejo dos Estados Unidos de alterar a taxa de câmbio - claramente expressa pelo subsecretário do Tesouro, Timothy Adams - se choca com uma irremovível resistência asiática. Deste modo, temo eu, tornam-se maiores as chances de uma disputa ainda pior do que aquela que acompanhou o fim do sistema cambial de Bretton Woods, no início da década de 1970. Se o Tesouro dos EUA agora rotular a China como manipuladora de moeda em seu relatório semestral sobre taxa de câmbio, com divulgação prevista para ontem, a tensão aumentará ainda mais. Mesmo se os EUA não emitirem tal juízo, o dia do ajuste de contas será apenas postergado. Afinal, as reservas cambiais da China cresceram em US$ 680 bilhões entre janeiro de 2001 e janeiro de 2006, numa tentativa bem-sucedida de manter o valor do yuan em baixa. O comunicado de abril dos ministros das Finanças dos sete países de renda mais elevada, o G7, declarou explicitamente que "na Ásia emergente, especialmente na China, uma maior flexibilidade nas taxas de câmbio é crítica para permitir as apreciações necessárias, assim como o são o fortalecimento da demanda interna, o alívio da dependência sobre estratégias de crescimento via exportação e ações para fortalecer setores financeiros". Relevar a China desta forma foi uma iniciativa ousada. A julgar pela retórica dos seus formuladores de política e a magnitude das suas intervenções, a China não está disposta a fazer concessões a esse tipo de pressão. Conseqüentemente, o dólar está se enfraquecendo principalmente frente às moedas flutuantes. Desde meados de abril, a taxa de câmbio ampla ponderada pelo comércio exterior perdeu 3% do seu valor, enquanto a moeda caiu 5% contra o euro. A grande questão, no entanto, é saber se os chineses, japoneses e outros estão certos em acreditar que uma grande queda no dólar pode ser evitada. Ao abordar essa questão, coloquei diante de uma das partes duas outras questões: se os EUA têm um grande déficit em conta corrente devidamente mensurado e, em caso afirmativo, se ele é sustentável. A questão neste caso é de natureza diferente, ou seja, saber se é possível reduzir o déficit dos EUA substancialmente sem alterações nas taxas de câmbio. A resposta é que seria possível, porém catastrófico para todos os participantes, pois demandaria uma profunda recessão nos EUA que quase certamente extinguiria o comprometimento daquele país com o comércio liberal. O ponto surge de uma forma simples a partir do exame das tendências nas exportações e importações dos EUA como parcela do PIB. Ele foi realçado de forma ainda mais rigorosa por Maurice Obstfeld, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e por Kenneth Rogoff, de Harvard ("The Unsustainable US Current Account Position Revisited", 30 de novembro de 2005; http://post. economics.harvard.edu/faculty/rogoff/rogoff.html). Caminho atual é muito perigoso, política e economicamente, pois representa uma grande ameaça ao sistema de comércio, já em risco com o fracasso de Doha Uma descrição muito simples do estado atual da economia dos EUA seria a que segue: a demanda total é de 107% do PIB; a produção total de mercadorias e serviços negociáveis é de cerca de 25% do PIB; a demanda total por mercadorias e serviços é de 32% do PIB; e a demanda e a oferta total de não-negociáveis é de 75% do PIB. A diferença entre oferta e demanda para negociáveis, por definição, equivale ao déficit na balança comercial. Suponhamos uma redução de apenas três pontos percentuais na relação déficit da balança comercial/PIB. Ela está ligeiramente abaixo de 10% da demanda total por negociáveis. Suponhamos, para simplificar, que a demanda incremental por mercadorias e serviços negociáveis seja proporcional à dos não-negociáveis. Sem qualquer alteração nos preços relativos, a demanda total na economia também precisa cair ligeiramente menos do que 10% para proporcionar a redução desejada no déficit da balança comercial. Isso geraria uma queda de aproximadamente 7% no PIB, cuja totalidade recairia sobre indústrias produtoras de não-negociáveis. Mas uma recessão tão profunda geraria miséria e em nada contribuiria para a desejada melhoria no déficit externo. Para evitar a recessão maciça que a redução nos dispêndios geraria por si só, o preço dos não-negociáveis precisa cair substancialmente em relação ao dos negociáveis. Uma alteração dessa ordem representa uma queda na taxa de câmbio real. Isso deverá movimentar os dispêndios na direção dos não-negociáveis e a oferta potencial na direção dos negociáveis. Sob suposições plausíveis, as mudanças necessárias na taxa de câmbio real para deslocar a economia na direção desejada são grandes. Quanto mais rápido o ajuste, maiores elas deverão ser. Este é um bom motivo para fazer esses ajustes lentamente, o que também é um motivo para evitar adiá-los indefinidamente. Poderão essas mudanças nas taxas de câmbio reais ser obtidas sem alterações nas taxas de câmbio nominais? A resposta lógica é, mais uma vez, sim. Mas isso exigiria uma queda no preço nominal dos não-negociáveis nos EUA - ou seja, deflação imediata naquele país - e um aumento no preço dos não-negociáveis nos países exportadores - em outras palavras, inflação acelerada naqueles países. A primeira hipótese é inconcebível e a última é aparentemente inaceitável. Portanto, as taxas de câmbio nominais devem ser alteradas. Se os países com superávit se opuserem a isso, não haverá nenhum ajuste. Então eles estarão apostando a riqueza dos seus cidadãos em investimentos nas obrigações dos EUA em acelerada expansão. Eles também estarão apostando que a pressão protecionista dos EUA poderá ser contida enquanto o déficit dispara. Economistas que trabalham para o Deutsche Bank chamaram esse ajuste da taxa de câmbio informal atual de "Bretton Woods 2". É preciso lembrar que os EUA destruíram o Bretton Woods 1 em 1971, quando impuseram uma sobretaxa de importação e forçaram a apreciação da moeda. Isso provocou uma década de desordem monetária. Esse desfecho desastroso foi o resultado de ter resistido ao ajuste por tempo demasiado. Os países superavitários não devem pressupor que o caminho atual é benéfico. Pelo contrário, ele é muito perigoso, política e economicamente. Ele representa uma grande ameaça ao sistema de comércio, já colocado em risco pelo fracasso iminente da Rodada Doha de negociações comerciais. Nada é mais compreensível do que a vontade de parar o ajuste monetário. Mesmo assim, é um grande erro.
|
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quarta-feira, maio 10, 2006
Deixem o dólar cair
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
maio
(558)
- Villas-Bôas Corrêa Lula no país das maravilhas
- DORA KRAMER Uma boa e doce vida
- Cultura cívica de papelão Luiz Weis
- José Nêumanne A gala dos tucanos no baile dos peti...
- Investimentos externos brasileiros
- Coleção de erros
- Gabeira e Renan batem boca sobre sanguessugas
- Míriam Leitão - Tempos piores
- Merval Pereira - Dois modelos
- Luís Nassif - O homem errado
- Jânio de Freitas - Serviços e desserviços
- Fernando Rodrigues - O vice de Lula
- Clóvis Rossi - Aconchego
- Celso Ming - Reforço da cautela
- Carlos Heitor Cony - Mentiras institucionais
- Lucia Hippolito na CBN:O voto dos funcionários púb...
- Primeira Leitura : Reclamando e andando Por Lilia...
- Miriam Leitão on line - Ministro da agricultura cu...
- A demissão de Furukawa
- A reeleição de Uribe
- Brasil cresce menos que concorrentes
- Chega de encenação PAULO SÉRGIO PINHEIRO
- Democracia Ali Kamel
- Dois países
- Estrangeiros reavaliam planos para AL
- Arnaldo Jabor - A herança de FH vai reeleger o Lula
- Carlos Heitor Cony - O futuro de Lula
- Clóvis Rossi - O trambique desce redondo
- Luís Nassif - A gestão na área social
- Valdo Cruz - Não se anule
- Celso Ming - A Petrobrás acorda a tempo
- Dora Kramer - A musa dos descontentes
- Luiz Garcia - A imprensa menos livre
- Merval Pereira - O fator Aécio
- Míriam Leitão - Juros e PIB
- Lucia Hippolito na CBN Reforma na Constituição
- Touraine, Castañeda e o Virundum Por Reinaldo Azevedo
- Fernando Gabeira Os bandidos na mesa do café
- Miriam Leitão on line -Semana tera juros em queda ...
- Mortos e vivos - Denis Lerrer Rosenfield
- Duas crises, dois atraso - Carlos Alberto Sardenberg
- Chantagem política Paulo Guedes
- Chantagem política Paulo Guedes
- O REAL -Ex-cabo eleitoral de FHC, real vai ajudar ...
- Fernando Rodrigues - Uma lei pró-PT
- Lucia Hippolito na CBN:Um passo à frente e dois atrás
- Inevitável fim do fôlego RICARDO AMORIM
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS JB
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS
- AUGUSTO NUNES CPI LANÇA CANDIDATO DO PCC
- A gregos e troianos Mailson da Nóbrega
- Bernanke se corrige e aceita 2% de inflação Albert...
- Os desacertos de Mantega Suely Caldas
- Falha dos bancos centrais (2)Celso Ming
- Embate de personalidades Dora Kramer
- Um alerta para o Itamaraty
- O pára-quedista e o alpinista Gaudêncio Torquato
- A crise é de autoridade
- Oposição sem rumo
- Falta horizonte
- CLÓVIS ROSSI O tiroteio continua
- VALDO CRUZ Guerra e paz
- CARLOS HEITOR CONY Aparecer para crescer
- JANIO DE FREITAS Picadinho (sem gosto)
- RUBENS RICUPERO Crise mundial: ameaça ou oportunid...
- LUÍS NASSIF O MoMA e o Masp
- FERREIRA GULLAR Papo brabo
- Como ganhamos a Copa de 58JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Merval Pereira
- Miriam Leitão Fim da semana
- Lula e a Revolução Francesa Por Reinaldo Azevedo
- Uma eleição sem espaço para o populismo
- MILLÔR
- Lya Luft Vamos fazer de conta
- VEJA Entrevista: José Manuel Durão Barroso
- André Petry Eles não passarão
- Diogo Mainardi Gabeira para presidente
- Roberto Pompeu de Toledo Seleção brasileira de est...
- Lula se torna o guardião da política econômica
- Márcio Thomaz Bastos abafa todas
- Cresce o poder de compra dos mais pobres
- A bancada de José Dirceu
- TSE corta o custo das campanhas
- Duda fez e continua fazendo
- CELSO MING Falha dos bancos centrais (1)
- Crise do gás - momento de reflexão Opinião Josef B...
- DORA KRAMER De rotos e esfarrapados
- Um déficit explosivo
- As razões do favoritismo
- Moral em concordata Mauro Chaves
- CARLOS HEITOR CONY Os palhaços
- GESNER OLIVEIRAEconomia contra o crime
- Delírio ideológico
- Merval Pereira De pernas para o ar
- Zuenir Ventura Contra o crime virtual
- Miriam Leitão O senhor tolere
- Lucas Mendes Idolatria americana (idolatria e geog...
- A FORÇA DE LULA por Denis Rosenfield
- Adeus, hexa Guilherme Fiuza
- Agosto Por Liliana Pinheiro
-
▼
maio
(558)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA