Quando analisam o impressionante nível de aprovação do presidente Lula dada pelo eleitor, os analistas políticos convergem em dois pontos: (1) apesar das críticas aparentemente generalizadas, o povo gosta da política econômica; e (2) a distribuição de até 11 milhões de cestas básicas mensais dentro do Programa Bolsa Família está contribuindo para o clima favorável ao governo.
Num ambiente em que o desemprego não avança e em que se multiplicam as oportunidades de "se virar na vida", a derrubada da inflação, para níveis inferiores a 4,5% ao ano, cria a percepção de que o dinheiro no bolso adquiriu um poder de compra que nunca teve. As pessoas simples não entendem por que a história do mensalão é tão grave como dizem os locutores de TV nem por que esse tal de Okamotto não poderia ter pagado uma conta do seu amigo do peito. O que conta para elas é que, ao contrário do que acontecia no passado, com apenas R$ 2 dá para comprar um belo frango e com seis vezes isso qualquer um leva um saco de cimento para a reforma do puxadinho de casa. E isso tem tudo a ver com a política econômica do governo Lula.
O presidente fez a escolha certa quando priorizou o combate à inflação para que, lá na frente, pudesse garantir crescimento econômico em bases sustentáveis. O acerto dessa escolha não foi meramente eleitoral. Foi correto também do ponto de vista técnico. E é uma das falhas do mais recente documento do PT sobre o governo Lula.
Trata-se das "Diretrizes para a elaboração do programa do governo do Partido dos Trabalhadores - eleição presidencial de 2006", desde domingo no site do PT. O texto se apresenta como "documento preliminar" que será base para o Programa 2006, "que não se confunde com o Programa do Partido (...), busca ir além dos partidos, traduzindo a vontade de mudança de amplos setores da sociedade".
Seu principal defeito é entender que a política econômica do governo Lula não passou de concessão feita aos "interesses da direita" para permitir a transição de um paradigma neoliberal para uma política econômica voltada para o social, para programas de transferências de renda e "para a formação de um grande mercado sul-americano".
Essas "Diretrizes" deixam claro que, entre as maiores concessões do governo às direitas está a de ter deixado o Banco Central solto demais na condução de uma política monetária "revestida de um discurso conservador, que se chocou com as bases sociais do governo e com o próprio governo". A proposta é a de que o Banco Central assuma outras tarefas, além das que está institucionalmente obrigado a cumprir: "Além de ser o guardião da moeda, deve igualmente preocupar-se com o crescimento, o emprego e o bem-estar social." Isso implica mudar o programa de metas de inflação.
O documento exige, ainda, aceleração da queda dos juros "para lograr-se um câmbio mais compatível com as políticas de desenvolvimento e exportação".
Não há nenhuma palavra que aplauda ou reivindique austeridade fiscal. Ao contrário, isso só atrapalha. A observância do superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida pública) é asperamente criticada como meio pelo qual o governo "subtraiu recursos para investimento e custeio". Paira silêncio sobre o cada vez mais insuportável custo Brasil, caracterizado pela enorme carga tributária e pela ineficiência da Justiça. São ignorados projetos de importância capital para o futuro do País, como as reformas da Previdência, tributária, das leis trabalhistas e do Judiciário.
Ao contrário do que está nesse texto, esse discurso não é prerrogativa das esquerdas brasileiras. Poderia ser assinado pelos dirigentes da Fiesp e do Iedi, as mesmas elites que o PT critica como "a direita deste País", que também denunciam o juro escorchante, a moeda valorizada e a "obsessão do Banco Central no combate à inflação".