Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 18, 2005

Zuenir Ventura:É enrolation demais

o globo
Acho que foi o colunista Clóvis Rossi o primeiro a perceber a carga simbólica contida naquele comercial da Schincariol que desqualificava a concorrência ao propor sua cerveja como a única legítima: "o resto é enrolation", dizia o anúncio. Aproveitando o fato de que os publicitários "são craques em retratar a alma profunda da pátria", Rossi recolheu várias formas de pequenas trapaças do comportamento brasileiro para ilustrar nossa vocação de país da enrolation: o "gato", o "por fora", "com nota ou sem nota", o "jeitinho".


Curiosamente, essa semana o caso ganhou um raro e exemplar desfecho, com a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público descobrindo que a Schincariol, ela sim, é que era enrolation. Enrolava tanto o fisco que seus donos foram presos e indiciados por sonegação, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Só nessa Operação Cevada, a PF calcula que as fraudes cheguem a R$ 1 bilhão.

Espera-se que na confusão moral que assola o país, em meio a tanta inversão de valores e troca de papéis, em que vilões posam de mocinhos, o final sirva como inspiração para o combate à enrolation política, embora se saiba que na feira de troca-troca de Brasília a punição seja mais difícil do que no mercado de cerveja.

Vem aí, no entanto, uma boa oportunidade, senão para resolver o que só a reforma estrutural de costumes e práticas pode resolver, mas para servir pelo menos de exemplo pontual. A CPI dos Correios pode começar a passar a limpo aquele mundo político cujas vísceras podres foram expostas no Conselho de Ética da Câmara. Só não pode deixar que se repita o espetáculo de terça-feira, quando, ao lado de graves revelações, houve muita enrolação, a começar pelo desempenho do principal personagem, que entrou como acusado e saiu como acusador, sem precisar apresentar provas e se permitindo até confessar crimes eleitorais.

A CPI vai ter que avançar resistindo a duas pressões: de um lado o governo, que vai tentar controlar os trabalhos através da presidência e da relatoria, ocupadas por aliados; de outro a oposição, que vai querer transformar o espaço em palanque para as eleições de 2006. Caberá a seus componentes, com independência e sensatez, jogar um pouco de luz, ou cevada, nesse caos.

Afinal, alguma coisa está errada numa história de corrupção em que o único vencedor tem sido Roberto Jefferson. Ele conseguiu enrolar a opinião pública, indicar o caminho das investigações, pautar a oposição e se sentir no direito de achar, às gargalhadas, que teve moral para demitir um ministro de Lula. É enrolation demais.


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