Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 18, 2005

Miriam Leitão :Canal de contágio


 o globo

A semana termina com uma sensação de saldo positivo na economia. Afinal, quem viu a extrema volatilidade de outras crises pode concluir que está tudo superado. No mercado, a conclusão é que o ministro Antonio Palocci está mais forte e a política econômica, blindada. Mas há outras maneiras pelas quais uma crise como esta afeta a economia de forma mais prolongada e perigosa.
O pessimismo econômico aumentou. Os dados da pesquisa CNI/Ibope, divulgados ontem, mostraram isso. E deve continuar aumentando porque, quando as notícias são as que estão sendo servidas diariamente às pessoas, isso acaba minando a confiança que leva os consumidores ao consumo e os investidores aos investimentos. A deterioração do humor do empresário ou do consumidor posterga decisões de compra. O que afeta o nível de atividade. O efeito nunca é instantâneo, nem espalhafatoso como os movimentos de mercado financeiro, mas ferem a economia ainda mais.


O mercado gosta do sobe-e-desce. A volatilidade abre o apetite de comprados e vendidos. Mas, para uma empresa de porte médio, sem a proteção e o baixo custo de capital das grandes empresas, a oscilação constante, ao sabor dos fatos e boatos, prejudica sempre.

Reformas ministeriais são paralisantes da estrutura da máquina, principalmente quando são feitas de forma lenta. Um ministério que está para mudar de comandante costuma adiar todas as decisões. As crises políticas também têm efeito paralisante na administração federal. Decisões que dependem do governo ficam penduradas. Isso é pior em governos normalmente lentos, como é o caso do atual.

— Se tivessem acontecido os leilões de energia ainda no primeiro semestre; se tivessem sido feitas as concessões do Proinfa, o marco do saneamento, a concessão de estradas, poderíamos ter no ano um crescimento de 15% nos investimentos em infra-estrutura. Na PPP, estacionamos na definição do fundo garantidor e do gestor e, sem isso, não anda. Ninguém gostou do projeto de saneamento que o governo está querendo pôr em prática. Se houvesse boa regulamentação, poderia haver investimento. O problema é que tem muito projeto só em promessa — afirma Paulo Godoy, presidente da Associação da Infra-Estrutura e Indústrias de Base.

No começo do governo, havia a idéia de fazer concessões para 7 mil quilômetros em estradas federais. Até agora, nenhum quilômetro foi licitado. Diante do quadro político, é difícil apostar que haverá tempo e condições para se fazer em um ano o que não foi feito em dois anos e meio. Como licitar estradas ou iniciar qualquer outra obra no meio de denúncias de corrupção até em compra de tênis para carteiros? Há, pendentes, coisas que dependem do Executivo e coisas que dependem do Legislativo. E os dois poderes estão parados.

Uma coisa leva à outra. Sem investimento, não há consumo de alguns insumos. O Sindicato da Indústria de Cimento começou o ano achando que cresceria a 3,5%, hoje se contentaria com 2,5%.

O presidente da Associação da Indústria de Máquinas (Abimaq), Newton de Mello, acha que da política só virão más notícias.

— Nossa torcida é para que o impacto não seja muito forte — diz.

Mesmo setores que não dependem diretamente do governo acabam sendo afetados pelo ambiente de insegurança generalizada que se espalha pela economia em horas de profunda crise, como a que está instalada no país.

A conjuntura econômica pode melhorar com o fim do ciclo de alta dos juros e o início, em breve, da queda das taxas. A inflação está em queda em todas as medidas e em todos os institutos. O IGP-10 deu, de novo, deflação: foi de -0,4%, por nova queda dos preços do atacado. Para se ter uma idéia, o IPA-10 acumulado no ano é de apenas 1%, positivo. O mesmo índice em 12 meses dá 7,47%.

A arrecadação tem crescido em todos os meses. Em abril, o governo federal arrecadou R$ 32 bilhões, 13% a mais que no mesmo mês do ano passado. A balança comercial continua alta, e ela é apenas a ponta mais visível da boa saúde das contas externas, que inclui também queda da dívida externa, pública e privada. Em um ano, o setor privado reduziu sua dívida externa em US$ 18 bilhões.

Há até motivos recentes para um pouco de comemoração. Ontem, o novo presidente do IRB, Marcos Lisboa, empossou uma equipe técnica e gabaritada, que substituiu aquela sobre a qual paira a suspeita de ser um centro de arrecadação para o PTB. "Partido não nomeia sem contrapartida", ensinou o deputado Roberto Jefferson esta semana aos cidadãos que ainda conservavam alguma esperança. Para se ter uma idéia de como é absurdo transformar o IRB em fabriquinha de dinheiro, é preciso entender o que é o IRB.

— Aqui há um gigantesco conflito de interesses. O IRB detém o monopólio do resseguro e é regulador do mercado. Além disso, tem ainda função de política pública. Todas as seguradoras transferem o risco para o IRB que, ao mesmo tempo, estabelece as regras do setor. Parece o Banco do Brasil dos anos 50, com o agravante de ser monopolista — explicou Marcos Lisboa.

Até outro dia, o IRB discutia se seria "por fora ou por dentro" o dinheiro arrecadado para o PTB junto ao setor sobre o qual tem autoridade e é fornecedor de proteção. Agora, passou a discutir boa governança e preparação para a liberalização do setor. Um avanço, sem dúvida, que o ministro Antonio Palocci arrancou da crise. Mas crises como estas, devastadoras e paralisantes, têm o efeito de roubar crescimento ao futuro.

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