O GLOBO
O mau cheiro e os sinais de alerta já eram visíveis há algum tempo, mas foi preciso alguém jogar tudo no ventilador — e logo quem, um aliado coberto de denúncias — para que o governo, todo respingado, não tivesse mais como esconder o que só ele parecia não ver: que a crise moral que tentou abafar de qualquer jeito estava na boca do povo. Mesmo antes da entrevista do deputado Roberto Jefferson, a pesquisa do DataFolha indicava que 65% das pessoas não tinham mais dúvida quanto à existência de corrupção no governo. E que Lula, talvez por não admitir isso, perdera boa parte de seu precioso capital. Sua popularidade caíra dez pontos percentuais.
Por mais que se queira afastar o presidente do lamaçal, e até a oposição quer, em razão da governabilidade e do seu crédito de confiança (como afirmou o governador Aécio Neves, ele não é Collor e “tem uma história que merece o nosso respeito”), não se entende como o ex-deputado que um dia, mesmo sem apresentar provas, denunciou que havia no Congresso “300 picaretas” teria agora, incrédulo, ficado chocado com a revelação de que o tesoureiro de seu partido distribuía mesadas a parlamentares. Será que não se lembrava também de que há três meses o próprio presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, afirmou que “deputados trocam de partido como de camisa por 20 mil, 30 mil”?
Lula alegou que a denúncia do “mensalão” não passava de boato e que não dá para “mandar investigar, sem indício ou prova, todas as futricas que as pessoas vêm aqui me contar”. Tudo bem, se o denunciante não fosse um “parceiro” em quem o presidente confiava tanto que chegou ao ponto de declarar que lhe daria um cheque em branco. Suas graves revelações mereciam, portanto, provocar como efeito não um tímido pedido de apuração, mas uma providência enérgica, transparente, exemplar, um “choque ético”, como aquele que chegou a ser anunciado antes.
É difícil estabelecer uma escala de gravidade nesse escândalo em que só parece haver culpados. Mas a reação moralmente ambígua do presidente foi sem dúvida o que mais constrangeu e decepcionou. Nada a justifica. O pior é que o pior pode estar por vir. Quando, referindo-se a “uma parte que está sendo omitida por Jefferson”, o petista Miro Teixeira afirma que “este é o fato mais grave que conheço em oito mandatos como deputado”, surge na lembrança a música de Moraes Moreira que se ouvia nos anos do sufoco dando-lhe o sentido de fim da picada: “Lá vem o Brasil descendo a ladeira.” Para não descer mais, Lula vai ter que cortar muito na carne.
Entrevista:O Estado inteligente
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