Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 17, 2005

Villas Boas Nada detém a CPI

no mínimo

17.06.2005 |  O governo comemora, com o coração apertado, a primeira vitória na ressaca de caiporismo, ao eleger o presidente e emplacar o relator na CPI incumbida de apurar as denúncias de grossa roubalheira nos Correios com o desvio de dinheiro para a caixinha do PTB. Escolheu a dedo gente de confiança, à prova de traição: o senador petista Delcídio Amaral para presidente e o deputado Osmar Serraglio, do PMDB, para relator: dois candidatos a deliciosos momentos de notoriedade, com espaço garantido na mídia e a suprema ventura de aparecer na televisão.

Esperteza demais costuma castigar os ladinos. No caso, além de contraproducente, levanta a poeira da suspeição da CPI chapa branca, instiga a oposição e não terá força para barrar a onda que ameaça deflagrar a crise institucional que bate à porta do Legislativo e do Executivo. Além do que, não é a única: a Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o mensalão que o PT é acusado de distribuir com os aliados deve ser constituída na próxima semana.

Crise feita em casa, chocada nos dois anos e meio de omissões, fracassos e erros primário do governo Lula e nos desatinos do pior Congresso dos vintes sofridos anos de redemocratização.

O destino da CPI que o Planalto tenta sufocar com manobras e despistes não depende do governo; seu rumo será traçado nos esconsos do imprevisível. CPI anda sozinha, com as próprias pernas ou não sai do lugar. O potencial aparente das suspeitas, dos indícios, dos primeiros sinais contraditórios, da carga de dinamite do show do deputado Roberto Jefferson, com testemunhas que afirmam e voltam atrás, da contradança das pressões, ainda não chegou à fase em que estimula a quebra de cautelas e gera, de onde menos se espera, a revelação que impõe a cadência que nada detém.

Não é preciso mais que a isenção do bom senso para constatar a inverosimilhança da safra dos desmentidos de fingida indignação. Não é possível, não é crível que não haja nada, que seja tudo mentira no enredo de lama que escorre dos ralos oficiais e dos esgotos do Congresso.

A credibilidade do governo murcha como os índices de popularidade do presidente Lula. E a frustração popular manifesta-se nas ruas, nas praças, na indignação da sociedade. Se é exato que as investigações alcançam amplitude inédita, a desilusão corrói as minguadas reservas de esperança. Uma vez mais, Lula apela para a mímica da agitação, das declarações enfáticas, das frases redondas nas promessas de "cortar na própria carne", do "doa a quem doer", das reuniões de ministros e da reforma ministerial. Como se o governo, milagrosamente curado da paralisia, começasse amanhã.

O governo não tem jeito porque o presidente Lula não sabe administrar. Estiola-se cercado pela corrupção e a evidência da sua incompetência em áreas fundamentais, como a defesa do meio ambiente, a destruição da rede rodoviária, a falácia da criação de empregos, o sufoco dos servidores públicos, o horror da saúde, da educação. Nada disso se resolve com a distribuição de cestas básicas.

O Congresso chega ao limite da rejeição popular, reflexo de anos de insensibilidade com o despudor das mordomias, praga que se espalha de Brasília para as assembléias legislativas e câmaras municipais. O tumor que purga no escândalo do mensalão é o irmão marginal da verba indenizatória, o salto do saque do salário indireto, o fingimento da propina para as despesas do fim de semana para o suborno escancarado que compra o apoio e o voto.

Estágio da caminhada para o suicídio. A Câmara elegeu o deputado Severino Cavalcanti para presidi-la na opção pelo folclórico guru do baixo clero, defensor do nepotismo e da mordomia nas suas muitas variedades.

Perplexa com a floração do que semeou, a tardia reação da minoria silenciosa depara-se com um quadro assustador. Por enquanto, apelam para os paliativos, alguns justos mas insuficientes, como o remendo de reforma política para acabar com a vergonha do troca-troca de partidos e a orgia das subvenções para as campanhas eleitorais.

Governo e Congresso não se dão conta da extrema gravidade da ameaça às instituições. Se não acordarem da inconsciência do coma de meses, anos de leniente passividade com todo tipo de desvios éticos, de indiferença com a aplicação do dinheiro público, a estabilidade democrática pagará a conta da crise que pede socorro, antes que seja tarde.

CPI amordaçada desaperta com a mobilização das ruas, com os protestos que batem à porta do Congresso; adverte com as vaias ao presidente, com a rejeição ao governo. No coro, falta a voz, a presença dos estudantes, o mais vivo e generoso sinal de alarme.

A CPI despertará o país, sacudindo os dorminhocos e cutucando os indiferentes. A revolta apenas começa.

Lula sem biombo

Com a defenestração do ministro José Dirceu da chefia do Gabinete Civil, o presidente Lula perde o seu anteparo de confiança, que ocupava os espaços vazios como virtual presidente em exercício, e enfrenta o desafio de remontar o governo, não apenas escolhendo o substituto, mas forçado a assumir a odiosa rotina, com a leitura da papelada, os despachos com os ministros e demais encargos do expediente, que exigem tempo e competência.

Um novo governo começará na próxima semana, qualquer que seja o sucessor do renunciante. Os que conhecem as intimidades palacianas sugerem a opção pelo modelo que seja o oposto do titular nos 30 meses da fase encerrada: um chefe que não se exponha, enfurnado no gabinete, tocando sem fazer bulha a máquina burocrática. Para usar a metáfora futebolística dos improvisos de Lula, o meio-campo que se livra da marcação e passa a bola limpa para o chute a gol.

Certamente é mais fácil encontrar no quadro dos servidores qualificados o substituto experiente, discreto, enquadrado, que não seja tentado a ser um novo José Dirceu.

Resta conferir se o presidente dará conta do recado sozinho, fazendo o que não gosta e talvez não saiba. O que o seu temperamento inquieto detesta. Para o pleno exercício da presidência com o ministério renovado, em período crítico de gravíssima crise, com a CPI dos Correios roncando ameaças de mexer no monturo das denúncias do mensalão, Lula teria que podar a agenda das viagens e restringir a presença em todos os atos que ofereçam a oportunidade do improviso.

A descoberto no Congresso, necessitando urgentemente remontar a base de apoio parlamentar, com o governo desengonçado, omisso, empilhando fracassos em áreas críticas, Lula precisa de mais do que um substituto para o seu mais importante assessor.

O governo para o ano e meio do final do mandato necessita de um presidente.


Nenhum comentário:

Arquivo do blog