Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 04, 2005

Política ferve, economia esfria GESNER OLIVEIRA

Há uma boa e uma má notícia. Primeiro a boa: a economia está relativamente imune à crescente tensão na esfera política. A má notícia é que a oportunidade de ouro para colocar a economia em rota de crescimento está sendo desperdiçada.
Ao contrário daquilo que ocorreu em passado recente, os sucessivos escândalos e impasses políticos não abalam o eletrocardiograma dos mercados. Os números da Bolsa, do dólar e do prêmio de risco continuam insensíveis às oscilações da política. Não acusaram alteração, por exemplo, com a eleição de Severino para a presidência da Câmara ou com a decisão de instalar a CPI dos Correios.
Há duas interpretações para esse relativo insulamento da economia aos embates políticos. A primeira é otimista e chama a atenção para a maior maturidade das instituições brasileiras atuais em relação ao passado. A economia depende menos do Estado e pode ir bem a despeito das tempestades em Brasília.
A segunda é pessimista e ressalta que as conseqüências da atual paralisia no Congresso só não são dramáticas porque a conjuntura externa de liquidez internacional é excepcionalmente positiva. Um soluço lá fora e o país voltaria a ser vulnerável a choques de toda a natureza, inclusive os políticos. As duas versões refletem parcialmente a realidade. O setor privado encorpou, o país amadureceu, mas a roda da economia pode emperrar diante de um impasse político permanente.
Mas o problema é que a economia está dando mostras de desgaste independentemente da crise política. Essa é a má notícia. Os dados de crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2005, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta semana, indicam desaceleração precoce da atividade econômica: o PIB cresceu apenas 0,3% em relação ao trimestre anterior, liderado pela agropecuária (2,6%), enquanto os setores industrial e de serviços apresentaram quedas de 1% e 0,2%, respectivamente.
Mais preocupante, embora não surpreendente, é o declínio continuado do investimento. A formação bruta de capital de capital fixo registrou diminuição de 3,9% no quarto trimestre de 2004 e de 3% no primeiro trimestre de 2005.
Diante de incertezas quanto à taxa de crescimento da demanda, juros em níveis imprudentemente elevados e crônica indefinição na regulação da infra-estrutura, seria estranho que o investimento aumentasse. Não aumentou. Além disso, com a tendência à apreciação do real diminui a rentabilidade esperada do setor exportador e conseqüentemente a disposição em investimento de longo prazo em capacidade exportadora.
As expectativas dos consumidores também deterioraram. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a parcela dos consumidores que consideram que a situação econômica atual é pior do que há seis meses atrás passou de 25,8% em abril para 28,2% em maio.
Tal esfriamento da economia deflagra círculo vicioso. Diante de menor perspectiva de expansão da demanda, os investimentos continuam a diminuir, provocando efeitos multiplicadores negativos sobre a renda e o consumo. Depois de sucessivos espasmos de crescimento, seguidos de desaceleração e crise, as empresas brasileiras preferem operar com elevada taxa de ocupação a serem pegas no contrapé. Preferem operar com custos marginais fortemente crescentes a realizarem inversões custosas, correndo o risco de ver grande parcela de seu capital ociosa.
Conforme afirmado nesta coluna há alguns meses, o Banco Central interpretou erroneamente essa elevação estrutural das taxas planejadas de ocupação da indústria. Entendeu que se tratava de excesso generalizado de demanda e elevou excessivamente os juros, interrompendo precocemente a retomada da economia.
O Brasil desperdiça desta forma janela de oportunidade oferecida pela intensa expansão da demanda externa, aliada a formidável choque positivo nos termos de troca. Tal frustração com a economia -essa, sim- poderá contaminar a política.
folha de s paulo

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