Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 09, 2005

O dilúvio por Ricardo Antunes

JB

Uma tormenta se abateu sobre o PT e seu governo nestes últimos dias. Além da derrota para Severino; além dos casos de corrupção atribuídos a Meirelles e Jucá; além do escândalo do PTB dos Correios, agora a crise se aproxima de modo muito mais grave do Planalto. Retomando denúncia antecipada pelo Jornal do Brasil, em setembro de 2004, a recente entrevista de Roberto Jefferson (Folha de S.Paulo, 07/06/2005), adicionou glicerina pura à turbulência que assolava o governo do PT. Se confirmadas as denúncias, não seriam somente os aliados do governo os mais atingidos, mas o próprio coração do poder.

Se comprovada a veracidade da denúncia - afinal, Lula disse havia poucas semanas atrás que confiava inteiramente em Roberto Jefferson - certamente Delúbio Soares não seria mentor e agente isolado de tal barganha indigna e aviltante. Aliás, aqui vale um parênteses: nem mesmo neste ponto a crise atual se assemelha à de 1954. Tudo é muito diferente e poderemos voltar a esse ponto em outro artigo. Vale lembrar que Delúbio Soares, tesoureiro da campanha de Lula e do PT, ex-professor de matemática que demonstra grande intimidade com números, é membro da intimidade do Planalto, atuando em área muito diferente do que Gregório Fortunato. Trata-se de figura de outro jaez, como se diria em outros tempos.

Se encontrar fundamento a compra de almas no Parlamento e se aquilo que a imprensa tem insinuado quanto à amplificação dos casos de corrupção no atual governo também encontrar prova material, o PT e seu governo terão chegado precocemente ao fim. Ambos.

O PT tinha um ''pecado capital'', desde sua origem: seu cabal desdém para com a teoria emancipatória, da qual somente os grupos mais à esquerda em seu interior se reivindicavam herdeiros. Desdém que foi em parte suplantado pela pujança que o jovem partido demonstrava ao atuar sempre junto das melhores lutas sociais deste país, vinculado que estava organicamente às lutas sociais dos trabalhadores das cidades e dos campos, lutas que lhe davam força, vitalidade e impulsão. E o tornavam um partido de fato diferente.

Tudo isso, entretanto, tornou-se passado. Quando o PT foi, pouco a pouco, ao longo da década de 1990, distanciando-se sistematicamente das grandes lutas sociais (e Lula descolando-se de sua origem operária para se tornar um político profissional), o partido, no afã de chegar ao poder a qualquer custo, foi gradativamente abandonando os laços concretos que lhe possibilitavam o exercício de uma política com um corte de classe, convertendo-se em ''partido da ordem'', institucional, parlamentar, eleitoral e, por fim, eleitoreiro.

Restava, então, para distinguir-se dos demais, apresentar-se com o ''partido da ética'', o que em grande medida era corroborado por sua história pretérita. Mas, o PT que se apresentava como herdeiro da ética chegou ao governo para exercer uma política patética. O resultado está estampado nas manchetes de jornais. Se a denúncia de Roberto Jefferson se mostrar verídica - o que aqui só podemos, é bom repetir, tratar como hipótese - poderá ser o fim do PT e de seu governo. Isso porque a questão jamais poderá se resumir à cassação de parlamentares abjetos, mas terá que buscar os mandantes do crime. Aí Lula poderá começar a perceber a tragédia que foi abandonar sua base fundada nas forças sociais do trabalho para ancorar-se nos grupamentos da ordem.

Mas, mesmo que tentasse fazer essa inflexão, seria tarde demais, pois a corrosão do prestígio de seu partido já segue ladeira abaixo e tendência similar parece iniciar-se com a figura do presidente. Lula poderá vivenciar algo que tem certa similitude com Jânio Quadros, eleito com vasta quantidade de votos e cuja renúncia ficou calada no povo como ato de fraqueza. Em Lula, o ato de fraqueza está presente em sua cabal metamorfose, que acaba por lhe desfigurar. Ele mesmo tem lembrado que não é mais o mesmo. Podemos recordar ainda o descrédito completo do governo Sarney ao final do mandato, apesar dos dias áureos iniciais dos cruzados da ''Nova República'', para não termos que lembrar Fernando Collor.

Se a denúncia se mostrar inverídica - vamos aqui também tomá-la como hipótese - ainda assim Lula e seu governo terão de explicar como puderam dar um cheque em branco a um deputado desse quilate. Vê-se, portanto, que a crise tende a se agravar e, em ambos os casos, ainda que em intensidades diferentes, atingem o núcleo do governo do PT. Sem falar que, em meio a esse turbilhão de denúncias, será difícil esconder outros casos de corrupção perto do poder ou executados por partidos da ''base aliada'', uma vez que já se abriu a corrida dentro da imprensa para buscar novos ingredientes desse cenário de banalização da corrupção. Que começou com o ato atribuído a Delúbio e levou o PT ao dilúvio.

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