Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 04, 2005

Miriam Leitão:Lições da mata

Quando estão ameaçados, os macacos muriqui, ou monocarvoeiros, abraçam-se. Acham que juntos enfrentam melhor o perigo. A operação Curupira pode ser o começo desta reação lógica diante do crime inaceitável do desmatamento ocorrido no ano passado: governo, Ministério Público e Polícia Federal juntos contra os criminosos. Tomara que todos eles consigam vencer a tentação da vaidade e aprender a lição simples do muriqui.

A idéia de ficar procurando quem é o dono da criança bonita, a operação Curupira, pode tirar o foco do que é essencial: a operação é a única resposta aceitável ao escândalo do desmatamento divulgado na semana passada. Foi bem feita, bem preparada e tocou num ponto nevrálgico. Um desmatamento daqueles, 26 mil quilômetros quadrados num ano, não pode acontecer sem haver um amplo esquema de fraude, corrupção e cobertura do qual participem, inclusive, funcionários públicos e até autoridades.

— Tive que mandar interventores para Mato Grosso porque metade do Ibama caiu — contou-me a ministra Marina Silva.

Dos caídos, vem outra lição: há entre eles tanto funcionários de carreira quanto indicados pelo PT para cargos de confiança. Existe no Brasil quem defenda os funcionários de carreira porque acha que, se estão lá, se fizeram carreira, é porque defendem o bem público. Há os que acham que só os militantes do partido que ocupa o poder têm o monopólio das boas atitudes. A operação Curupira derrubou as duas convicções. Estavam envolvidos no crime do desmatamento tanto funcionários que fizeram carreira no Ibama quanto indicados pelo atual governo. A diferença entre os que fazem a coisa certa no setor público e os que se deixam corromper é bem mais complexa do que supõe o maniqueísmo.

A Polícia Federal, de onde saem todas as últimas boas notícias do Brasil, e o Ministério Público trabalharam bem e articulados. Do grupo, fez parte o Ministério do Meio Ambiente, até na doença da ministra. Marina Silva, do hospital onde esteve internada durante um mês, fez duas reuniões com a Polícia Federal. O ministério tinha começado a puxar o fio que levou, há nove meses, a PF a entrar na investigação. O procurador de Mato Grosso teve a coragem e a independência de agir num estado que, nos últimos dois anos, transformou-se no centro do terremoto que ameaça o meio ambiente do Brasil.

Quando saíram os números do desmatamento, o governador Blairo Maggi acusou o Ibama. Era biombo para se esconder da realidade. Como autoridade maior do estado onde o desmatamento mais cresce no Brasil, deveria ter olhado com menos complacência a atuação do próprio governo.

Os números não confirmam o que foi dito pelo governador Blairo Maggi. Em 2003, o desmatamento no Pará, estado que costuma ser associado a desmatamento ilegal como se fosse sinônimo, caiu 17%. Em Rondônia, outro suspeito usual, caiu 17%. Em Mato Grosso, aumentou 20%. Em 2004, no Pará, houve outra redução, de 2%, e, em Mato Grosso, outro aumento: de 20%. E veja que isso é aumento de área desmatada em relação ao ano anterior; portanto, mesmo a diminuição produz desmatamento inaceitável. Com a rapidez com que cresce e tomou a dianteira no processo de destruição, o estado de Maggi passou, em dois anos, de ser responsável por 35% do desmatamento para responder por 48% do desmatamento no país. Se o Ibama é o único responsável, como Maggi tentou convencer na semana passada a opinião pública nacional e internacional, então ele tem que explicar quem governa o estado.

Os escândalos ambientais são graves demais para que o país aceite o jogo de empurra que se viu na semana passada entre Ministério do Meio Ambiente, governo de Mato Grosso e Ministério da Agricultura. Houve um momento em que o presidente Lula fez uma declaração em que repetiu que "alguns" não querem a mata preservada; "alguns" desmatam ilegalmente. Parecia ser este o culpado: "alguns". A operação Curupira deu nome, endereço e cargo de "alguns": dentro da máquina pública, profundamente enraizados nos órgãos que deveriam proteger o meio ambiente, estão misturados aos empresários, aos sojeiros, ao agronegócio, aos produtores de carne. Portanto, ninguém deve lavar as mãos e empurrar o problema para o outro. Será que o ministro Roberto Rodrigues está realmente convencido de que o agronegócio não tem nada a ver com os crimes ambientais? Seria melhor que visse que, no grupo do qual ele veio, há, como em qualquer lugar, bons e maus. Portanto, o melhor que o governo tem a fazer é continuar no caminho da operação Curupira, tendo em mente a lição do abraço do muriqui diante da ameaça.

Há visões divergentes entre quem, sinceramente, quer preservar o meio ambiente brasileiro. Vi isso ontem na Fazenda Rio Negro, da Conservação Internacional, num pedaço magnífico do Pantanal de Mato Grosso do Sul. Reunidos para fazer o plano de manejo, funcionários da Conservação Internacional, técnicos da Embrapa, biólogos de áreas diferentes, ambientalistas, fazendeiros discutiram durante dois dias para, no fim, concluírem que é preciso ponderar o que cada lado considera fundamental. Liguei para a ministra Marina para saber detalhes da operação Curupira depois de um dia inteiro de passeio pelo Pantanal, onde vi jacarés, capivaras, lobinhos, queixada, cervos e principalmente aves incríveis. Claro que a convicção que tiro do espetáculo da vida pantaneira é que o único caminho para o Brasil é conciliar economia e natureza.

o globo

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