o globo
Os investidores estrangeiros ficaram mais inquietos ontem. Nos primeiros dias da crise, eles ligavam querendo saber apenas se havia risco de mudança de política econômica, ontem já estavam informados sobre os detalhes do drama nacional. Não há movimento de saída do país; por enquanto. A situação internacional continua boa, há fluxos abundantes, atenuando os efeitos dos tremores brasileiros.
— Nos primeiros dias, eles ligavam achando que o analista local estava exagerando. Agora, já sabem detalhes, por exemplo, que Roberto Jefferson vai falar na terça — contou o economista Luiz Fernando Lopes, do Pátria Banco de Negócios.
É a mesma impressão que colheram outros consultores: subiu um pouco o tom de preocupação, ainda que isso não se veja tanto nos indicadores financeiros. Eles pioraram de novo, mas não muito porque foi um dia em que o mercado internacional estava otimista, depois das declarações tranqüilizadoras do presidente do Fed, Alan Greenspan, sobre a economia americana.
Esta é uma vantagem, que joga a favor do Brasil neste momento. Por ora, o mundo está bem. Há um excesso de liquidez, a economia americana está crescendo e adiando o ajuste que terá que fazer em algum momento.
O principal temor dos investidores é que o governo, acuado, decida adotar medidas populistas de política econômica.
— O mercado é pragmático: ele quer saber se o governo vai mudar a política econômica e, mais adiante, se haverá uma eleição de muita incerteza. Essas são as preocupações — diz Luiz Fernando Lopes.
Por mudança de política econômica, entenda-se isto: a adoção de medidas de aumento de gastos numa tentativa de criar uma onda favorável no Congresso.
O deputado Delfim Netto acha que o governo deveria fazer exatamente o oposto:
— Esta é a hora de fazer algo útil não para este governo, mas para o país: aumentar o ajuste fiscal; buscar, mesmo que de forma paulatina, o déficit nominal zero.
Aprofundar o ajuste e a melhora dos fundamentos econômicos para enfrentar a tempestade ou abrir os cofres? Esse é o dilema que o governo está enfrentando.
A economia mundial ainda está bem, há muita liquidez internacional, isso atenua os choques econômicos da crise política, mas ninguém deve se enganar: a situação econômica pode piorar, a despeito das doses de tranqüilizantes que Alan Greenspan injeta no mundo, como fez ontem.
— Os Estados Unidos estão pressionando a China para apreciar a moeda. Em algum momento, pode haver uma apreciação chinesa. O Congresso americano está ameaçando impor tarifas a todos os produtos chineses. Os EUA continuam com déficit fiscal e déficit externo insustentáveis. Há uma sensação geral de que a economia mundial pode se desacelerar aos poucos; a Europa já vinha crescendo pouco, o Japão surpreendeu nos últimos meses, mas os Estados Unidos vão ter que desacelerar, em algum momento, pra fazer seu ajuste de contas. E isso não é bom pra gente. Este ano já está sendo menos dinâmico do que o ano passado e o ritmo está em declínio — resume o economista Ilan Goldfajn, sócio da Gávea Investimentos.
O economista Alexandre Scheinkman passou pelo Brasil esta semana contando o que mais o preocupa: o risco de estouro de uma bolha imobiliária nos Estados Unidos:
— Só se fala de preços de imóveis: eles continuam subindo e os imóveis continuam sendo comprados. Nas festas, onde se vai, o assunto é esse. Exatamente o clima que havia na véspera de estourar a bolha da internet — contou.
Uma coisa é enfrentar uma crise política interna num momento de calmaria e excesso de capitais no exterior. Outra é encará-la em meio a uma turbulência externa, coisa que o governo Lula nunca enfrentou e não demonstra ter perícia para enfrentar.
Por enquanto, há ajuda vinda de fora e de dentro. A economia pode ter boas notícias. Ilan está otimista em relação à inflação, ponto que mais azucrinou o país nos últimos meses. Outros economistas também.
— As taxas de inflação ainda estão altas, mas os números são muito confortáveis, não apenas o da Fipe, que caiu, e os IGPs, que estão negativos. Há sinais animadores também trazidos pelas coletas de preços; as instituições que têm coletas próprias estão dando sinal de que os preços estão em queda. A queda do câmbio chegou aos preços por atacado e estava agora chegando aos IPCs; o problema é que justo agora o dólar começa a subir puxado pela crise — destaca Ilan.
Mas, para ele, o risco maior é o da desaceleração econômica:
— O Brasil parou de crescer há cinco meses, está todo mundo ainda satisfeito porque o nível de consumo ainda está alto, mas o fato é que o país parou de crescer.
Em resumo: 2005 parecia vitorioso de véspera. Como o jogo contra a Argentina. Tudo o que o Brasil teria que fazer era apenas administrar a vantagem. Mas o governo perdeu muito tempo, cometeu erros em seqüência na sua relação com o Congresso e agora está na rua, no meio do redemoinho. O país parou de crescer e o número medíocre que se vai registrar este ano é basicamente efeito estatístico. A sorte é que, no pior da crise, o mundo permanece bem e haverá pelo menos duas boas notícias: a queda da inflação e a interrupção da alta de juros para queda futura. Não resolve nosso problema, apenas atenua o pior da crise.
Entrevista:O Estado inteligente
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