Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 10, 2005

Luiz Garcia:A crise ensina

o globo
Há muito tempo não se via: uma denúncia de fatos escabrosos que não se apóia em gravações clandestinas.Existe, claro, a gravação do ex-alto funcionário dos Correios contando vantagem e embolsando — sem contar, nem olhar — um maço considerável de notas. Mas o problema dos Correios, ainda que esteja na raiz do escândalo que mexe na Bolsa e abala nossas esperanças, é apenas o prólogo da história muito mais explosiva das mesadas possivelmente pagas pelo tesoureiro do PT a deputados de partidos aliados.


Curiosamente, não se trata de história nova. Vários sabiam, alguns avisaram o Palácio do Planalto, houve até, faz tempo, notícia em jornal. Mas até agora o escândalo se recusara a assumir um lugar no centro do palco. Quem sabe, histórias muito sujas têm um momento certo de maturação.

A hora chegou com a súbita e mal explicada explosão denunciatória do deputado Roberto Jefferson. Mas não foi responsabilidade dele a conseqüência mais triste de seu acesso de denuncismo: a timidez e a falta de firmeza na reação inicial do presidente e de seu círculo íntimo em face da denúncia. Em outras palavras, sua incapacidade de perceber que ali estava uma bomba pedindo para explodir.

Todos os homens do presidente e ele mesmo deixaram fugir a oportunidade de serem os donos da indignação e responsáveis espontâneos pela apuração da denúncia, aceitando, prévia e enfaticamente, qualquer dos dois possíveis resultados dessa atitude: desmoralização do acusador ou expurgo dos acusados.

Nos últimos dias, governo e PT correram para fugir do prejuízo. Era inevitável sua rendição ao inquérito parlamentar. Mas não bastará fazer de uma CPI o instrumento de identificação dos responsáveis por este ou aquele comportamento político imoral, esta ou aquela utilização desonesta de cargos públicos.

É preciso mais, como já se disse. Em tese, inquéritos parlamentares não devem ser cópias — quase sempre amadorísticas — de investigações policiais. Específica e primordialmente, sua razão de ser é o levantamento de motivos e a descoberta de mecanismos para produção ou aperfeiçoamento de leis. A CPI que agora se inicia será legitimada menos pela identificação de culpados — isso um bom trabalho policial também pode produzir — do que pelo estímulo que levar ao redesenho da estrutura política e da administração pública.

Depende de legislação, por exemplo, a natureza do sistema partidário. O que existe hoje não privilegia a coerência ideológica: ao contrário, estimula generosamente o oportunismo de grupos e indivíduos. E torna pelo menos crível qualquer denúncia sobre venda de votos em troca de mesadas — assim como viável a próspera sobrevivência de quem as distribui e de quem as aceita.

Da mesma forma, uma máquina administrativa enxundiosa, repleta de nomeados e pobre de funcionários de carreira, excita o empreguismo e desestimula o espírito público. Essa é a estrutura que existe no Brasil, apesar de perenes esforços de algumas almas esclarecidas para reformá-la, criando um serviço público tão ágil quanto magro.

Pode ser inevitável — e ninguém dirá que seria indesejável — que a CPI dos Correios e das mesadas produza alimento para investigações policiais e procedimentos judiciais. Mas a contribuição realmente relevante de um braço do Legislativo sempre será a produção de leis.

Essas são as lições disponíveis, e humildemente não sensacionais, da crise deste começo de inverno. Só falta serem aprendidas.


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