o globo
A MP do Bem está em total desacordo com as regras da OMC, que proíbe subsídios ligados à exportação e especificamente proíbe suspensão de pagamento de impostos sociais. O governo tem que tomar muito cuidado com as respostas à crise com as quais tenta criar uma onda de otimismo. Agora é hora de respostas políticas à crise e não de pajelanças econômicas.
O professor Marcelo Paiva Abreu, da PUC, diz que as medidas que estão sendo comentadas como parte da chamada MP do Bem ferem diretamente e explicitamente os termos da Rodada Uruguai.
O acordo proíbe subsídios. O ministro Luiz Fernando Furlan disse que a MP não estabelecerá subsídio e garantiu em entrevista recente que não haverá perda para o governo, porque esses impostos nem seriam recolhidos se os investimentos não fossem feitos.
Cada um dá o sentido que quer à palavra, mas, no texto assinado pelo Brasil, está assim definido: "Para os fins desse Acordo, considerar-se-á ocorrência de subsídio quando: receitas públicas devidas são perdoadas ou deixam de ser recolhidas."
Portanto, é exatamente o caso. A principal medida da MP é suspensão por cinco anos de PIS/Cofins e IPI para empresas que exportarem 80% da produção, no caso de novos empreendimentos.
Mesmo se isso não fosse subsídio — o que é —, ainda assim bateria contra outro dispositivo do mesmo acordo que estabelece que são proibidos: "subsídios vinculados, de fato ou de direito, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, ao desempenho exportador."
Além de ser proibido subsídio, mais ainda vinculado ao desempenho exportador, o acordo também fala no anexo que não se pode ter isenção, ou mesmo abatimento, de impostos sociais. O texto afirma que não pode haver: "isenção, remissão ou diferimento, total ou parcial, concedida especificamente em função de exportações de impostos diretos ou impostos sociais ou pagáveis por empresas industriais e comerciais."
— A menos que se mude o nome, PIS e Cofins são impostos sociais. Eles podem até ter perdido ao longo do tempo sua finalidade social, mas é isso que o nome diz — lembra Marcelo Paiva Abreu.
As boas notícias econômicas virão naturalmente, como a interrupção da alta de juros, que deve ocorrer amanhã. Mas não porque o Banco Central resolveu cooperar com a crise, mas porque o amargo remédio dos juros conseguiu, finalmente, o objetivo de derrubar a inflação. Os sinais de queda de inflação são cada vez mais sólidos. Na semana passada, os três principais institutos de pesquisas de preços — IBGE, FGV e Fipe — mostraram isso nas coletas feitas em todo o Brasil. Não há dúvida que ela está caindo, e isso permitirá interromper a longa alta dos juros e depois reduzi-los. Mas não dá para forçar a barra: as boas notícias têm que ser genuínas para funcionar como um redutor da crise política.
A MP que será divulgada amanhã foi pensada inicialmente como forma de reduzir o efeito da queda do dólar. Isso em si já era um erro, porque seria conceder uma renúncia fiscal permanente para resolver um problema conjuntural.
Agora está sendo pensada também como uma solução para reduzir o ambiente de crise em que o país está mergulhado.
E aí é outro erro, porque acabará produzindo problemas no comércio internacional.
O que está sendo proposto ao governo pela área econômica é o oposto: aumentar o aperto fiscal.
O Ipea também trabalha nessa linha. No documento em que reduziu a previsão de crescimento para 2,8%, o instituto defendeu a tese de aumento do superávit primário para 5% do PIB.
Segundo o Boletim de Conjuntura, manter o superávit primário de 4,25% significa, na prática, um relaxamento fiscal que "tenderia a limitar a velocidade da queda dos juros".
Por isso, o boletim diz o seguinte: "seria recomendável, especialmente levando em conta a magnitude do resultado fiscal acumulado nos últimos 12 meses, que esse esforço se consolidasse e o governo ampliasse a meta de superávit primário para algo em torno de 5% do PIB não apenas para 2005, mas também para 2006." Isso geraria expectativas favoráveis, diz o Ipea. O instituto também sugere que o governo mantenha a meta de inflação em 4,5%. O senador Aloizio Mercadante, como se sabe, tem sugerido que, na reunião do mês que vem, o governo aumente a meta para poder reduzir os juros mais rapidamente. O Ipea acha que só será possível reduzir os juros mais rapidamente se for aumentado o superávit primário.
O certo é que não há solução econômica para a crise política. A resposta que precisa ser dada de forma clara, convincente e vigorosa é na área política.
Reorganizar o governo, reconstruir a coalizão, encontrar uma forma mais eficiente de se relacionar com o Congresso e, sobretudo, permitir que apurações livres tragam os fatos à tona. Não há mágica econômica que faça desaparecer o fato de que o governo enfrenta seu pior momento político.
Entrevista:O Estado inteligente
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