o globo
O governo demorou, mas iniciou ontem o contra-ataque. A saída do ministro José Dirceu é um primeiro passo. Outros ministros sairão. O gabinete de crise, que será instalado, será chefiado por um ministro e todos os órgãos e estatais receberão a ordem de dar prioridade a todos os pedidos de informação da CPI no processo de apuração que foi iniciado. O presidente prepara um pronunciamento à nação. A área econômica prepara medidas fiscais. O pior da resposta foi o tom conspiratório em um trecho do discurso de José Dirceu.
Numa conversa a sós que o presidente e o ministro José Dirceu tiveram ontem no café da manhã, todos os detalhes da saída dele foram acertados. Um detalhe importante: José Dirceu é presidente do PT, licenciado. Discutiram a possibilidade de ele voltar ao posto ou não. Prevaleceu a segunda alternativa. Discutiram a necessidade de que ele passasse a aglutinar a turma do PT, desorganizada desde o início da crise.
O ex-ministro José Dirceu prepara um forte contra-ataque ao deputado Roberto Jefferson e está disposto a fazer revelações sobre as razões da contrariedade do deputado petebista. Por outro lado, o ex-ministro falou internamente que quer construir pontes com a oposição.
O governo passou o dia inteiro ontem pensando em saídas para a crise. Chegou a ser pensada a saída conjunta de alguns ministros. Não saíram ontem, mas devem sair em breve. Cotados os deputados Berzoini, Aldo Rebelo e Eduardo Campos. Voltam ao Congresso com o objetivo de fortalecer o grupo governista. A idéia parece um pouco com a proposta do senador Tião Viana, que foi tão criticada. Dentro do governo, a idéia do senador foi ainda mais criticada, principalmente pelos próprios ministros-parlamentares.
Será criado o chamado "gabinete de crise". O presidente escolherá um ministro que vai comandar um grupo de assessores. O objetivo: dar respostas rápidas à CPI, entregar os documentos pedidos, abrir informações necessárias. O governo promete agilidade nas respostas.
A idéia funcionaria melhor se a CPI dos Correios não tivesse sido formada por dois integrantes da base aliada, sendo um deles um parlamentar pouco conhecido até dentro do seu partido. Ontem, pela primeira vez, o governo demonstrou ter noção do tamanho da crise: a pior já vivida por Lula e uma das piores da história democrática recente do país.
A resposta demorou, está incompleta e tem uma nota dissonante. O ministro José Dirceu fez boas palavras de despedida, exceto pela visão conspiratória. Ele disse que percorreria o país com o PT "para dar combate àqueles que querem interromper o processo político e democrático do país". O Brasil conhece bem golpe. A América Latina conhece golpe. O que aconteceu de mais grave nos últimos dias foi um ataque de um integrante da base de sustentação do governo ao próprio governo. O que está acontecendo não pode ser descrito como um ataque ao sistema político democrático. Não há uma conspiração em marcha.
A resposta fiscal vinha sendo pensada há algum tempo. É uma PEC que vai estabelecer formas de se chegar, ao longo de alguns anos, a um déficit nominal zero. Isso é muito mais do que superávit primário alto. É o compromisso de que o superávit terá que ser do tamanho do custo da dívida. Só funciona se os juros forem mais baixos, mas os juros só podem ser mais baixos em condições econômicas mais favoráveis.
José Dirceu defendeu ao sair a política econômica "que está dando certo" e tinha ao seu lado o ministro Antonio Palocci. Preferiu não exibir um flanco interno. Ele nunca escondeu as críticas que faz às opções da política econômica.
No Congresso, também paralisado, houve na noite de quarta-feira uma rara boa notícia: o governo conseguiu aprovar no Senado — com apenas um voto contra — a Medida Provisória 239, que estabelece a interdição administrativa temporária de áreas de florestas que estejam sendo estudadas pelo governo para transformá-las em reserva ou área de proteção.
Só o senador Cesar Borges votou contra. Na defesa da medida, estavam dois senadores que, em outros campos, têm duelado, como Arthur Virgilio e Aloizio Mercadante. O entendimento suprapartidário aconteceu exatamente no dia da disputa ferrenha pela presidência e relatoria da CPI dos Correios. A propósito: a medida é boa. É uma espécie de cautelar: enquanto estiver pensando sobre a melhor forma ou o melhor uso de uma determinada área, o governo impede por sete meses qualquer nova atividade lá; até decidir. Normalmente, quando corre a notícia de que o governo pode vir a proteger determinada área, isso acaba incentivando os grileiros e desmatadores a uma danosa corrida contra o tempo.
A aprovação da medida foi uma breve visita do entendimento entre governo e oposição que parecem estar numa disputa cada vez mais radicalizada. O PSDB e o PFL se reuniram ontem longamente e decidiram que não terão uma atitude incendiária na crise. Querem ter uma atitude técnica, jurídica. Resumem com uma expressão "Circo, não e abafa, não". A boa notícia de ontem era que o governo saiu do córner onde estava completamente paralisado nos últimos dias.
Entrevista:O Estado inteligente
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