Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 16, 2005

Miriam Leitão :Ilha fiscal

o globo
O governo deu uma demonstração de extremo autismo ontem. De manhã, o ministro Furlan falou em brinde com vinho espumante e o presidente disse que "algumas" pessoas gostariam que o governo não tivesse dado certo. O presidente não demonstrava ter noção da gravidade da crise quando falava, ou quando sorria feliz ao lado do ministro José Dirceu, o epicentro da crise. Sua melhor declaração foi reafirmar a política de austeridade fiscal. É bem verdade que o fazia quando aumentava a renúncia fiscal.
No Copom, aconteceu o que todos esperavam: os juros pararam de subir. As razões são técnicas. Analisando os números, é fácil concluir que não havia razão para subirem. A notícia vem em boa hora, mas não tem o objetivo de aliviar uma crise que é política e só pode ter solução política. Cientistas políticos advertem: não adianta uma reforma política às pressas. Pelo contrário, foi exatamente assim que a Itália encontrou Berlusconi e a Venezuela, Hugo Chávez.


Fabiano Santos, professor do Iuperj, acha que é "vender ilusão" fazer uma reforma agora, como se fosse resolver tudo. Marcus Figueiredo, diretor do instituto de pesquisa de opinião do Iuperj, lembra que foi assim que Berlusconi surgiu na Itália:

— A operação Mãos Limpas foi muito bem-sucedida, mas cometeram o erro de fazer uma reforma política que acabou criando condições para o aparecimento de Berlusconi, uma pessoa desligada de todos os partidos.

— E na Venezuela também. Depois da queda de Carlos Andrés Perez, os partidos acharam que estavam muito distantes do povo. A reforma permitiu o aparecimento de Hugo Chávez — destaca Fabiano Santos, que também não acredita que o financiamento público de campanha vá impedir problemas como os que o país está vivendo. A única solução seriam mais regras e mais transparência.

— O sistema de financiamento do Brasil não é diferente do de 90% dos outros países — afirma Marcus Figueiredo.

Por que aqui se permitem tantos casos nebulosos de corrupção? Essa é a dúvida a ser respondida. Figueiredo diz que em outros países a redução do número de cargos preenchidos por escolhas políticas reduziu também os casos de corrupção.

Tudo está em debate nos últimos dias. A idéia curto-prazista do mercado na terça-feira de que a não existência de fita resolveria o problema é um erro evidente. Há novos e inesperados desdobramentos da crise; o mercado ficará oscilando ao sabor de fatos ou boatos. O jogo de perde e ganha no mercado tem pouca importância nessas horas. O fundamental é saber como as instituições públicas serão reconstruídas após o terremoto; quando ele finalmente passar.

— Esta crise é mais grave porque atinge o PT, que foi a novidade surgida na vida política brasileira nos últimos 20 anos. Todos os outros partidos surgiram dos velhos Arena e MDB, criados na ditadura. O PT alimentou a esperança de que fosse diferente — diz Fabiano Santos.

Por isso, a crise é maior do que o PT. Destruída a confiança dos cidadãos em todos os partidos, o que sobrará? Sobrarão os salvadores-da-pátria, os que surgem dizendo que são "verdadeiramente contra tudo isso que está aí", ou os que dizem que vão prescindir dos partidos. Portanto, o risco-Brasil pode não subir a curto prazo. O país pode não ter uma disparada do dólar, como nas crises dos anos 90, até porque esse é um momento mundial diferente, com muita liquidez, mas, mesmo assim, os riscos são imensos.

— Até na América Latina, o presidente Lula e o PT serviam como exemplos de uma nova esquerda que está surgindo — lembra Fabiano Santos.

Há o risco adicional, diz Figueiredo, de que Roberto Jefferson saia dessa como herói e não vilão:

— A opinião pública pode vê-lo como o bandido que está colaborando e está denunciando os crimes.

O panorama econômico abre caminho para que a política possa enfrentar suas tragédias. Os fundamentos são bons. O bom humor não vem de medidas oportunistas como a medida provisória de ontem. O objetivo final da ação do governo — e até da oposição — tem que ser o de fortalecer as instituições. Radicalizações de parte a parte só servem para pôr em risco os partidos mais viáveis para a alternância do poder no Brasil e para abrir espaço à chegada de grupos aventureiros. A história recente do Brasil não nos permite correr riscos.

E temos corrido riscos porque, nos primeiros dias da crise, que pode ser longa, o governo demonstrou uma incapacidade obtusa de entender a realidade. Só o autismo político pode explicar a última terça-feira: em que o governo fingiu se interessar pelos assuntos da Argélia, fingiu não ver televisão, fingiu não ser necessário escalar seus melhores quadros para o depoimento do deputado Roberto Jefferson na Comissão de Ética. O governo partiu do pressuposto de que, se não demonstrasse interesse pelo depoimento, ele se esvaziaria. É erro de cálculo e arrogância. O que faz o fato importante é a sua importância e não a presença ou não do primeiro time do PT. O governo perdeu por w.o. o round da terça-feira; dia que pode ter sido bom para o mercado, que inverteu posições e ganhou, mas foi péssimo para o governo e seu partido. Os cientistas políticos lembram que, nos momentos graves vividos pela democracia brasileira, as instituições saíram mais fortes. Resta torcer.

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