o globo
Há uma mistura explosiva no ar: o descrédito dos políticos e a queda de popularidade do presidente Lula, tragada pela crise política que as denúncias do deputado Roberto Jefferson desencadearam. A pesquisa que o Ibope divulga hoje à tarde, realizada por encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi feita depois das entrevistas do deputado, mas não pegou as repercussões de seu depoimento ontem na Comissão de Ética da Câmara.
Já deve mostrar, no entanto, uma tendência de queda no índice de bom e ótimo na avaliação do governo, que girava anteriormente em torno dos 38%.
Num primeiro momento, são os políticos, porém, os mais afetados na percepção da opinião pública, e não foi à toa que o relator da CPI dos Correios, deputado federal do PMDB Oscar Serraglio, foi dramático ao lembrar os recentes episódios em Rondônia, onde o povo foi às ruas apedrejar a Assembléia, depois da exibição de um vídeo no qual um grupo de deputados negociava com o governador Ivo Cassol votos por dinheiro. Serraglio garantiu que a população não se revoltará diante dos resultados da CPI, numa atitude defensiva depois que o governo usou sua maioria na CPI para nomear o presidente e o relator, não dando vez à oposição, como vinha sendo praxe nas CPIs mistas.
O índice de falta de credibilidade da Câmara e do Senado, que já girava em torno de espantosos 90%, deve ter virado pó, chegado ao fundo do poço com o festival de baixarias e acusações que culminou com a sessão do Conselho de Ética da Câmara onde Roberto Jefferson deu seu espetáculo na terça-feira. Mais uma vez, porém, o governo mostrou como é frágil sua base partidária, ao vencer por apenas um voto a eleição secreta para indicar a presidência da CPI dos Correios. Perdeu dois votos para a oposição na largada da CPI e ficou claro que todos os seus membros estão trabalhando de olho na pressão da opinião pública.
O discurso do relator, deputado federal Osmar Serraglio do PMDB do Paraná, foi eloqüente ao ressaltar que as pesquisas de opinião mostram que o prestígio dos políticos nunca esteve tão baixo quanto agora. A popularidade de Lula ainda é suficiente para que ele assuma a dianteira da reação, mas há constrangimentos partidários e pessoais que até o momento o impedem de adotar as medidas drásticas que estão sendo ansiadas pela opinião pública.
A avaliação dos primeiros resultados da pesquisa mostra que a percepção do grande eleitorado ainda preserva o presidente Lula, separando-o das maracutaias denunciadas. Mas há um anseio por medidas concretas por parte do governo, e reação negativa aos constantes deboches com que o presidente da República vem tentando demonstrar um ar de tranqüilidade diante da crise.
As piadas que tem feito sobre futebol — "Nunca sofri tanto quanto nos quarenta e cinco minutos do primeiro tempo", se referindo não às denúncias de corrupção, mas à derrota do Brasil contra a Argentina; ou "Está tudo bem por que o meu Corinthians ganhou de quatro" — podem ter efeito popular em momentos normais, mas têm sido percebidas pela opinião pública como um pouco caso.
Além do mais, as investigações da CPI dos Correios certamente abrangerão políticos ligados ao presidente Lula, como o ministro José Dirceu, e dirigentes do PT, e quanto mais próximo do Palácio do Planalto chegarem, mais afetarão a imagem do presidente Lula. Essa perspectiva também parece tirar-lhe o ânimo para medidas transformadoras em seu governo, o que terá que ser feito mais cedo ou mais tarde.
Uma reforma política que transforme o quadro partidário seria uma boa resposta do Congresso, mas será preciso remover obstáculos que até agora impediam sua realização. Os mesmos partidos que estão envolvidos nas denúncias de corrupção — PTB, PP e PL — são os que chantageavam o governo para não seguir adiante com a reforma política.
Eles eram contra a verticalização, contra as cláusulas de barreira, contra o fim das coligações nas eleições proporcionais, contra o financiamento público de campanha, contras as listas fechadas. Com as listas, o eleitor votaria apenas na legenda partidária, e os candidatos seriam eleitos de acordo com a colocação em que estiverem na lista do seu partido. Se um partido receber votos suficientes para eleger apenas dez deputados federais, os dez primeiros nomes de sua lista irão para a Câmara.
É generalizada a queixa dos deputados contra os altos custos das campanhas eleitorais, que propiciaria a interferência de corporações — religiosas, econômicas, e até mesmo criminosas — na política partidária, gerando crises políticas como as que agora acompanhamos. O sistema de lista fechada facilitaria o financiamento público de campanha eleitoral, pois os partidos, e não os candidatos isoladamente, fariam a campanha. Mas há uma reação grande da opinião pública, que vê nele não uma maneira de coibir desvios, mas de dar mais dinheiro aos políticos.
As listas seriam também uma maneira de retirar o individualismo da representação parlamentar, reduzir o grau de independência que deputados e senadores têm em relação aos partidos políticos no Brasil. Ao impedir a chamada votação uninominal, a reforma, no entanto, quebra de forma radical a cultura política do eleitor brasileiro, que prefere votar em candidatos e não em partidos. Estudos indicam que mais de 95% do eleitorado brasileiro votou em indivíduos e não em legendas nos últimos anos.
Há também em estudos novas regras para a fidelidade partidária, impedindo essa verdadeira dança de legendas que os deputados e senadores fazem hoje em dia. O inchaço de legendas como PP, PTB e PL, ( sempre os mesmos), foi estimulado pelo Palácio do Planalto, e seria o combustível para sistemas como o mensalão.
Entrevista:O Estado inteligente
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