Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, junho 07, 2005
Miriam Leitão: Fronteira da crise O GLOBO
Até hoje, havia uma fronteira entre política e economia. A crise política paralisou o Congresso, fez o governo perder todos os postos na mesa da Câmara dos Deputados, fragmentou a base e exibiu múltiplas fraturas. Nada disso era levado em consideração nas análises otimistas da economia. Os olhos dos empresários e analistas estavam nos animadores números da área externa e nos da recuperação interna. Agora mudou. A economia passou a ver a crise política como fator complicador.
Há uma pergunta-chave. Ela foi feita ontem pelos estrangeiros nos contatos com os escritórios no Brasil ou com os consultores: "Vai atingir o Palocci?" O mercado local ficou preocupado e isso se refletiu nos preços de todos os ativos. Mas lá fora há uma abundância de liquidez, e os estrangeiros têm pouca capacidade de avaliar até que ponto um evento pode ser o estopim de uma grande crise. Por isso, essa pergunta era feita com freqüência nas ligações internacionais.
A economia até agora só tinha problemas econômicos e um deles começava a melhorar: a inflação de São Paulo, medida pela Fipe, ficou abaixo das previsões e os IGPs estão negativos. O IPCA de maio, que será divulgado esta semana, deve ficar em 0,58%. São boas notícias, que, em situação normal, poderiam animar o mercado. Mas ontem foi um dia em que a crise política rompeu o dique que a separava da economia. Os juros futuros subiram para janeiro de 2006, mas subiram muito mais para janeiro de 2007, indicando, pela primeira vez, temores eleitorais.
Os mercados financeiros são voláteis, por natureza, e podem mudar de idéia, dependendo de outros fatores que não tenham a ver com a realidade política ou econômica; o que é realmente determinante é o investimento. Neste momento, ele já estava em queda. O horizonte de juros estáveis e depois em queda poderia até reanimar investidores. A deterioração do quadro político está sendo muito forte e rápida e deve afetar o humor econômico.
O ministro da Fazenda havia conseguido ficar longe da confusão, mas agora a crise começa a se espalhar perigosamente. Na economia, as previsões de crescimento para este ano e para o próximo começam a ser revistas. Daqui até a disputa eleitoral, o presidente Lula terá um quadro econômico de declínio. As estatísticas carregam parte do passado. Quando se diz que o PIB vai crescer 3%, parte disso é carregamento estatístico, não traz nenhum conforto econômico no presente.
O governo perdeu tempo demais, errou demais, geriu mal nos tempos da abundância econômica. Conseguiu criar, no meio de excelentes indicadores econômicos, a crise que cresceu nos últimos meses. No ano passado, com o país crescendo forte, era a hora de garantir uma retomada dos investimentos, através de medidas regulatórias, reformas microeconômicas e uma agenda estratégica no Congresso que desse ao empresário a confiança de que os gargalos estavam sendo enfrentados.
Mas perdeu o pé em meados de 2004 para nunca mais recobrá-lo. Agora, gastará todos os cartuchos tentando salvar a própria pele. Que chance terá de demonstrar um comando firme e visão estratégica para elevar a confiança do investidor? Pelo contrário, até o ministro da Fazenda, sempre blindado contra tudo, está entrando na operação de salvamento.
O presidente do Banco Central enfrenta um inquérito no STF. O clima de prematura, mas aberta, campanha eleitoral impede qualquer socorro vindo da oposição. PSDB e PFL votaram com o governo em várias ocasiões. Agora ficará cada vez mais difícil essa aproximação.
O presidente Lula, que sempre preferiu um palanque à leitura de um relatório, vai se dedicar cada vez menos aos áridos esforços de administrar o país ou coordenar a base aliada. Ficará gastando o tempo do distinto público com truques de marketing eleitoral, como os do fim de semana, quando colocou o Plano Real junto aos outros planos fracassados e atribuiu ao seu governo a credibilidade do país. Nada mais socorre a pouca informação do presidente em matéria econômica.
Na entrevista à repórter Renata Lo Prete, da "Folha de S.Paulo", o deputado Roberto Jefferson disse que não vai defender o próprio mandato. Quem já sabe que perdeu e tem o estilo do companheiro-parceiro é, definitivamente, um inimigo perigoso.
Tudo o que saiu já é suficiente. Fato determinado a CPI tem. Chefe dos Correios que pôs dinheiro no bolso e as câmeras mostraram para todo mundo. O mesmo cidadão, numa história mais estranha ainda, queria pagar R$ 11 milhões por sapatos que só custariam R$ 5 milhões e foi flagrado tentando elevar os preços aos fornecedores. Líder do governo no Congresso informando que não conseguiu emplacar seu indicado porque teria que esperar uma certa licitação. Gravação de presidente do IRB contando que está sendo achacado por partido da base e, por fim, a bomba: presidente de partido aliado dizendo que o tesoureiro do PT dava propina mensal a deputados aliados para comprar apoio.
Se a CPI for abafada, essas dúvidas levantadas vão atormentar o governo daqui até o fim do mandato e vão erodir as chances de reeleição. Se houver CPI, os próximos meses serão turbulentos e incertos. Diante disso, é impossível manter a blindagem da economia, principalmente se, de fato, o ministro da Fazenda entrar no salve-se-quem-puder.
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