O PT na oposição impôs ao ambiente político do país uma agenda moralista tão radical que agora ela se volta inexoravelmente contra o governo que comanda. Chamado por Brizola de "UDN de macacão", o nível de cobrança foi tão intenso que o próprio PT não consegue governar com os parâmetros que ele mesmo estabeleceu. Em meio à crise política que se desenrola no Congresso, e apesar das acusações recíprocas que sobem de tom à medida que os impasses vão surgindo, há quem esteja conversando sobre a necessidade de se encontrar um espaço comum de atuação que permita tanto ao PT quanto ao PSDB prescindirem de acordos políticos espúrios como os que estão criando essa crise política interminável.
É fato que o governo passado abafou tantas CPIs quantas a oposição da época tentava criar, e foram muitas. Agora que os papéis se inverteram, um acusa o outro de ser diferente do que era no passado. Os que tentam criar a possibilidade de entendimento futuro dentro de uma linha de fronteira ética, chamam a atenção para o fato de que o PSDB já se deparou com o que o PT, no governo, está enfrentando, a gula dos partidos fisiológicos que vendem seu apoio em troca de emendas e empregos públicos.
Diante das dificuldades de continuar com esse tipo de negociação política, que tende a prevalecer diante da impossibilidade de uma verdadeira reforma política, pode ser que descubram um ao outro, sonham os que costuram uma improvável aproximação, como o deputado Fernando Gabeira, ele próprio um dissidente reincidente do PT por diversas razões, sendo a mais preponderante a crítica que faz à política ambiental do governo Lula.
Mesmo que o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, tenha levantado novamente a necessidade de que PT e PSDB se aproximem, e que políticos como o senador Aloizio Mercadante já tenham começado a conversar sobre o assunto com o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, ou que o ex-petista Eduardo Jorge escreva artigos a favor da aproximação, tudo indica que ela não acontecerá.
Os limites da política paulista a impedem, pois os dois maiores partidos se baseiam lá, onde estão 25% do eleitorado. Mas como começou o distanciamento entre PT e PSDB, partidos de tendência social-democrata que tinham tudo para seguir caminhos políticos convergentes e parecem cada vez mais longe entre si?
Em 1989, depois de muita resistência, o PSDB, que tinha tido Mario Covas como candidato, apoiou Lula no segundo turno, mas se queixa de que não teve a reciprocidade nas eleições estaduais do ano seguinte. Os tucanos acusam o PT de oportunismo político quando não aceitou participar do governo Itamar Franco, e o PT acusa os tucanos de terem querido aderir ao governo Collor.
Durante os dois mandatos de Fernando Henrique, não foram poucas as vezes em que o PT tentou criar situações para pedir o impeachment, e fez oposição permanente ao Plano Real. Um dos principais mentores das críticas ao Real foi Mercadante, que hoje se penitencia da agenda imposta pelo PT e tenta negociar uma trégua política em nome da governabilidade. Mercadante atribui as atitudes radicais da época, inclusive o "Fora FH" que até hoje reverbera nos ouvidos tucanos, aos mesmos políticos da esquerda do partido, que hoje fazem campanha contra a política econômica e a favor da CPI dos Correios.
Ao que tudo indica, o núcleo dirigente que domina o PT, grupo que se denomina Campo Majoritário e reúne diversas facções representadas no governo, convenceu-se de que não existe campo para contemporizar, como no passado, com os radicais do partido, e adotou o pragmatismo para fazer alianças políticas que permitam governar.
O PSDB, ao contrário, embora tenha tido que lidar com as mesmas dificuldades na formação de um governo de coalizão, apesar de acusado pelo PT de desmandos, inclusive compra de votos para a aprovação da reeleição, impôs limites éticos e técnicos aos acordos políticos que estão sendo amplamente ultrapassados hoje pelo PT. A nota divulgada pela liderança tucana, em que o governo petista é acusado de ter institucionalizado o "toma-lá-dá-cá", reflete esse entendimento de que o governo petista ultrapassou inaceitavelmente fronteiras éticas.
Assim como o PT fez durante os oito anos do governo tucano, o PSDB agora bate bumbo pedindo uma CPI para investigar os Correios, como fez anteriormente com relação aos bingos, para pegar o ex-subchefe da Casa Civil Waldomiro Diniz, o que atingiu em cheio o homem forte do governo Lula e do PT, o chefe do Casa Civil, José Dirceu. Dirceu é radicalmente contrário a qualquer aproximação com o PSDB, e encontra em José Serra a mesma reação do lado tucano. E o PSDB já é acusado de" udenismo", assim como outrora o foi o PT.
Como se vê, os fatos políticos têm afastado constantemente PT e PSDB, que vieram da mesma forma e podiam estar juntos desde o início. Mas não são apenas questões políticas que separam mais do que unem PT e PSDB, e nem apenas a disputa pelo poder, que no Brasil se resume aos dois partidos nos últimos anos. Há concepções distintas sobre o papel do Estado e a maneira de conduzi-lo. O ex-presidente Fernando Henrique, que continua sendo a principal figura do PSDB, tem uma maneira de encarar o mundo globalizado bastante distinta da de Lula, e as críticas que fez recentemente à política externa refletem bem essas divergências.
Só há uma situação em que dificilmente PT e PSDB continuarão separados: se um deles for para o segundo turno da eleição presidencial contra Garotinho. Pode ser que nesse caso se crie o ambiente político que permita, finalmente, a coalizão social-democrata governar junta o país.
o globo
Entrevista:O Estado inteligente
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