O GLOBO
O governo se mantinha ontem em uma inútil defensiva nessa crise política que ameaça paralisá-lo a um ano e meio da campanha sucessória até que, à noite, o presidente Lula aproveitou a inauguração do Fórum Global sobre a Corrupção para pôr "os pingos nos is", garantindo que serão punidos todos os culpados, sejam eles quem forem. Pela primeira vez definiu o episódio como abrangendo o Executivo e o Legislativo, colocando por terra a tese ridícula de que os partidos políticos, e não o governo, estavam sendo acusados. E deu a dimensão maior da questão, falando sobre a necessidade de reformar o Estado, a começar por uma reforma política profunda.
Aceitar a demissão das diretorias dos Correios e do IRB é uma atitude fraca e atrasada, pois deveria ter acontecido assim que as denúncias de corrupção começaram a surgir. Tentar ainda limitar a CPI dos Correios, depois que ela se mostrou indispensável, para que não sejam abordados casos em outras estatais, é mais uma demonstração de temor da investigação ampla, além de uma inutilidade. Não será possível impedir que, surgindo novas acusações, a CPI vá atrás de esclarecê-las.
Ontem, o senador Tasso Jereissati denunciou que há uma rede de corrupção espalhada em "quase todos" os órgãos governamentais, que estaria organizada para arrecadar dinheiro para o partido oficial do governo. Essa acusação, que é tão recorrente no Congresso como era a da existência do mensalão, agora revelada pelo deputado Roberto Jefferson, certamente não escapará da investigação da CPI, seja ela restrita ou não.
E como ontem o presidente Lula fez questão de ligar seu nome e sua história à história do PT, citando-o como "o meu partido", fica implícito que se forem comprovadas as denúncias e insinuações, o presidente de honra do PT terá que "cortar na própria carne", como ele prometeu solenemente.
A operação de salvamento do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, colocando-o fora do alcance da opinião pública, é atitude de quem parece ter culpa no cartório, e não combina com a transparência exigida pelo presidente Lula em seu discurso. Se Delúbio precisa de mais que dez minutos para rebater acusações "desvairadas, sem pé nem cabeça", como as definiu o presidente do partido, José Genoino, é sinal de que não tem condições de explicar suas atitudes à frente da tesouraria do partido oficial do governo.
Não há nada até o momento, no entanto, que indique uma repetição do caso Collor, como alguns cartazes já insinuam em Brasília e sugeriu o senador Tasso Jereissati no discurso mais candente de ontem no Senado. Naquele triste período da vida nacional, havia uma rede de achaques montada a partir da influência de PC Farias no governo de seu amigo Fernando Collor.
Havia uma quadrilha que tomara de assalto o governo, trabalhando em benefício próprio. Hoje, até onde se sabe, primeiro o assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, e depois o tesoureiro Delúbio Soares, são acusados de recolher dinheiro, e alegaram que seria para campanhas eleitorais do PT.
Poderiam estar trabalhando sozinhos, traindo a confiança dos superiores, ou podem ter montado um esquema paralelo de financiamento ilegal de candidaturas, sem o conhecimento da direção partidária nacional do PT, e muito menos de Lula. É difícil que isso possa ter acontecido sem que altos escalões governamentais estivessem envolvidos, mas é lícito supor que o presidente Lula não faça parte desse grupo.
É isso que se deve apurar, e é nesse campo que os partidos políticos devem atuar, o do financiamento das campanhas eleitorais, a origem de todos os desvios, não apenas aqui no Brasil, como no resto do mundo, em menor ou maior escala.
Temos, porém, pela primeira vez em muitos anos no país uma oposição que não é golpista e preocupa-se com a estabilidade do sistema político. É uma oposição contra o governo, mas não contra o sistema, que quer preservar. O discurso do senador Arthur Virgilio, líder do PSDB, é um sintoma desse amadurecimento da oposição.
Por outro lado, nunca mais a oposição será como foi no tempo do PT, e mesmo que ele volte para a oposição no próximo governo, jamais será aquele partido destrutivo que se dedicou nos últimos 15 anos apenas a demolir e hoje demonstra arrependimento, não apenas por palavras, mas por gestos, que muitas vezes são reveladores de mudanças profundas.
A alternância do poder estará consolidada se ultrapassarmos esta crise com a punição dos culpados e sem recursos a golpismos que já não encontram lugar em nossa democracia. O presidente Lula fez, com atraso, o que se esperava dele desde o início da crise: colocou-se como guardião da democracia brasileira, acima dos partidos e da ideologia.
Resta agora que atos concretos correspondam à retórica presidencial que, para não fugir ao costume, classificou o sistema de combate à corrupção de seu governo como dos mais perfeitos do mundo.
Entrevista:O Estado inteligente
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