o globo
Fica a cada dia mais difícil a tentativa do PT de separar a apuração do caso de corrupção nos Correios do chamado mensalão. Há indícios cada vez mais evidentes de que um caso está ligado ao outro, e que os dois são facetas do mesmo esquema de corrupção montado no interior da máquina do governo para financiar, de uma maneira ou de outra, partidos políticos aliados do Palácio do Planalto.
A insistência do partido do governo em desmentir a palavra do presidente da República com atos políticos que objetivam controlar o andamento da CPI, monopolizando seus postos mais importantes — a presidência e a relatoria — e virtualmente impedindo que tudo seja apurado, não apenas demonstra o permanente desencontro das forças políticas deste governo, como preocupa os que desejam que tudo seja esclarecido, para que as instituições democráticas do país sejam preservadas.
Como era de se esperar, por ser implausível que o tesoureiro do PT agisse por conta própria, as denúncias já entraram no Palácio do Planalto, pousando em gabinetes próximos, geográfica e politicamente, ao presidente da República. Não é uma situação fácil a do presidente Lula. Como vários integrantes do governo sugeriram, o mais sensato parece ser uma renúncia coletiva do ministério que abra caminho para uma reorganização da base partidária do governo, com a saída inclusive do chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, que sempre foi o alvo político principal das acusações.
Sua saída não retiraria do cenário o fato de que o Palácio do Planalto mais uma vez esteve na origem da crise política, mas sua permanência lá faz com que o presidente da República também permaneça próximo demais a fatos que, se realmente aconteceram, espera-se que não tenham sido de seu conhecimento. A CPI existe para isso, para apurar na esfera política as circunstâncias em que se deram os desvios de conduta apontados pelo deputado Roberto Jefferson. O fato de ele não ter provas do que diz — se é que não as tem — não tem a menor importância na esfera política, embora possa ter conseqüências na esfera criminal.
Querer misturar as duas coisas, como estão tentando fazer o PT e os dirigentes do PL e do PP, é próprio de quem não quer esclarecer os fatos. Se ele não tiver provas, poderá ser processado por injúria e difamação, ou por danos morais, como está hoje na moda, mesmo para quem não tem moral para defender. Mas nem mesmo sua eventual condenação significará que o que disse não é verdade. Existe um princípio básico no direito que diz que fatos notórios independem de provas, e o mensalão é há muito tempo um assunto recorrente nas conversas no Congresso.
Além do que, o depoimento do presidente do PTB ganha credibilidade pela intimidade que ele tinha com a cúpula do governo petista. Foi o próprio presidente Lula, ao chamar-lhe de parceiro e dizer que lhe daria um cheque em branco e dormiria em paz, quem lhe conferiu idoneidade — que agora os governistas questionam — para fazer as denúncias que está fazendo.
Pedro Collor, que iniciou o processo que culminou na cassação de seu irmão, o ex-presidente Fernando Collor, também não apresentou provas do que dizia, mas tinha a credibilidade de quem conhecia por dentro o funcionamento do governo. O presidente cassado, por sinal, tentando se fazer de vítima da mesma disfunção de nosso sistema político-partidário, diz que Lula não deveria cometer o mesmo erro de tentar formar um "ministério ético", que teria colocado dentro de seu governo "o germe da traição".
Trata-se de engano proposital, pois até onde se sabe o caso atual não envolve a pessoa do presidente da República em falcatruas como as denunciadas por seu irmão, e que depois foram comprovadas durante a CPI, que acabou em sua cassação. Mais uma vez, a esfera política e a esfera criminal não se misturam: Collor foi condenado politicamente, tanto pelo Congresso quanto pela opinião pública, e não foi condenado pela Justiça, por falta de provas.
Pelo momento, até mesmo a oposição trabalha para não envolver o presidente Lula nesse esquema de corrupção que vai começar a ser investigado na CPI dos Correios. Um movimento para entrar com um processo de crime de responsabilidade contra Lula está sendo desestimulado no Congresso por líderes tucanos. Blindar Lula e Palocci é a palavra de ordem. Uma reforma ministerial, no entanto, teria para o governo o sentido de recomeçar de novo o relacionamento com o Congresso, em bases mais saudáveis, sem as "más companhias" de que falou o ministro Olívio Dutra.
Para ser crível, no entanto, esse recomeço teria que separar o governo do PT de seu principal articulador político, o ministro José Dirceu, encerrando melancolicamente uma relação política e pessoal de muito anos. E tudo o que porventura venha a ser descoberto durante as investigações da CPI teria que necessariamente ser debitado na conta deles, para que o presidente da República não seja impedido de continuar exercendo suas funções.
É um movimento brusco e arriscado, e o presidente Lula ficaria ao mesmo tempo sem as "más companhias" e sem outros apoios políticos para terminar seu governo. Uma decisão radical como aparentemente o caso exige tiraria do presidente qualquer condição de pleitear a reeleição, pois estraçalharia sua base de apoio no Congresso, que hoje já está sob suspeição, e acabaria com o PT como instrumento político. O mais provável é que, sem saída aparente, enfrentem juntos esse momento crítico. Lula, sem o que significa (ou significou) o PT, tem sobrevivência política limitada. O PT sem Lula não existe.
Entrevista:O Estado inteligente
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