Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 15, 2005

Dora Kramer - Não ficou pedra sobre pedra




O Estado de S. Paulo
15/6/2005

Jefferson demoliu a cúpula do PT, comprometeu José Dirceu e boa parte do Congresso O presidente Luiz Inácio da Silva intuiu com correção e disse bem em seu programa de rádio desta semana. Não ficou mesmo pedra sobre pedra.

Mas, ao contrário da intenção contida na manifestação do presidente, a iniciativa da demolição não ficou com o governo mas sim com o dublê de acusado e acusador no escândalo de corrupção iniciado nos Correios e estendido aos Poderes Legislativo e Executivo, deputado Roberto Jefferson.

Sem documentos ou gravações, o presidente do PTB teve a sustentar a verossimilhança de suas acusações a minuciosa descrição de fatos, conversas, mecanismos, a convicção das referências a personagens, quantias, negociatas, a ausência de tergiversação dos que já não se preocupam com a salvação da própria pele.

Se o Delúbio Soares tivesse exibido na semana passada a mesma firmeza e convicção, teria convencido. Mas, diferentemente de Roberto Jefferson ontem, Delúbio conjugou o verbo preservar.

O petebista não, jogou para o alto passado, presente e futuro na política, e levou junto com ele muitas reputações.

Feriu de morte o ministro da Casa Civil , José Dirceu, atingiu gravemente a cúpula dirigente do PT e espalhou lama sobre o Congresso inteiro. Ficaram todos na berlinda.

À semelhança do que fez em 1992 o então homem do caixa 2 do governo Fernando Collor, Paulo César Farias, quando se sentou na CPI do PC, apontou o dedo aos parlamentares acusando-os de serem cúmplices de um sistema ilegal de financiamento de campanhas.

Por princípio, a tese - para evitar assumir como verdadeiras as afirmações - põe todos os mandatos sob suspeição, já que supostamente contaminados na origem.

Roberto Jefferson deu-se ao requinte de repetir a palavra usada por PC Farias há 13 anos, ao conclamar seus pares a deixar de lado a "hipocrisia". O deputado pode até ter mirado o governo e a direção do PT, mas atingiu também em cheio o Parlamento.

Expôs a naturalidade e a amplitude da composição do esquema de financiamento eleitoral paralelo, disse claramente que comissões parlamentares de inquérito abrigam acordos para condenar ou absolver seus objetos de investigação, desnudou os termos em que se dão as relações do Palácio do Planalto com sua base de apoio parlamentar e mostrou que essa convivência tem por alicerce a compra e a venda de posições.

É com esse barulho que parlamentares, dirigentes partidários e integrantes do governo têm de dormir. Roberto Jefferson não apresentou fitas, mas fez mais: ofereceu a confissão espontânea do réu, ato que no código penal é previsto como atenuante de penalização, justamente porque a confissão evita que o Poder Judiciário gaste tempo e recursos em busca de provas.

A confissão é, por si, a melhor de todas as provas. Gravações podem ou não ser aceitas como provas na Justiça, em geral não são. Mas a iniciativa do réu em confessar o crime, é sempre bem recebida.

Nessa ótica, antes mesmo de falar no Conselho de Ética, o presidente do PTB já tinha fornecido a confissão, na forma das entrevistas que deu à Folha de S. Paulo. Junte-se às suas palavras um poderoso indício de que o referido mensalão ocorreu mesmo - o súbito e até então injustificado crescimento das bancadas do PTB, PP e PL - e a alegação de falta de provas dilui-se num sofisma de quinta categoria.

No depoimento de ontem, Roberto Jefferson deu o mapa das investigações. Ele não tem recibos nem notas fiscais do dinheiro que, segundo diz, viu transitar de lá para cá, mas aponta portadores, negociadores e chega a detalhes como o de nominar os bancos de onde saíram os lotes de recursos para compor parte do pagamento dos R$ 20 milhões acertados como a contrapartida do PT ao apoio do PTB nas eleições municipais de 2004.

O que tornou mais ainda plausível o depoimento, foi a total despreocupação dele em admitir que havia mentido em ocasiões anteriores para preservar suas relações com o governo. Por exemplo, quando negou a existência daquele acerto financeiro cujo descumprimento por parte do PT, pelo visto foi a origem de suas diferenças com o ministro José Dirceu.

Roberto Jefferson fez jus ao apelido de "homem-bomba": abalou as fundações da fisiologia, tirando dela o vital combustível do silêncio.

"Vamos abrir", "vamos conversar sobre isso", propôs ele ao deputado Sandro Mabel, líder do PL na Câmara, citado junto com os deputados Valdemar da Costa Neto, Pedro Henry, Pedro Correia, Bispo Rodrigues e José Janene como operadores e beneficiários do esquema de pagamentos mensais a parlamentares.

"Não se nomeia ninguém nas estatais sem uma contrapartida dos partidos", informou, exibindo um ponto-chave.

Distribuiu recados diretos - "José Dirceu, saia do governo rápido, antes de transformar o presidente em réu" - e indiretos - "este é apenas o início de um processo longo".

Chamou o presidente do PT, José Genoino, a fazer com ele uma parceria para irem ambos Justiça Eleitoral corrigir a prestação de contas de 2004.

Respondeu a tudo e, se mentiu, o fez ao molde de se candidatar a prêmio de grande ator, porque convenceu. Ao governo deixou como única saída a constrangedora tentativa de desqualificar uma reputação de qualificação inexistente.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog