Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 07, 2005

Merval Pereira: Imobilidade preocupante O GLOBO

Ao confirmar parte do relato do deputado Roberto Jefferson, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, deu ares de verdade a toda sua denúncia, o que torna mais tenso o momento político. O que se poderia esperar como conseqüência dessa crise em que o governo está metido certamente não é essa atitude quase de fuga, de fingir que é normal o presidente da República ouvir denúncia tão grave e nada acontecer.

O ministro Aldo Rebelo dizer que os partidos políticos é que estão em xeque, e não o governo, seria risível se não representasse a dramática imobilidade do governo diante de acusações que atingem o Palácio do Planalto, que tem uma relação conspícua com seu partido oficial.

O tesoureiro Delúbio Soares, acusado de dar mesadas de R$ 30 mil para políticos votarem a favor do governo, é figura fácil em gabinetes do Planalto, e suas atitudes não podem ser separadas das decisões do governo. Além da punição dos responsáveis por esse gigantesco toma-lá-dá-cá em que se transformaram as relações do Executivo com o Legislativo, é preciso haver uma verdadeira revolução de costumes políticos neste país.

Os episódios dos últimos dias mostram bem como está enraizada nos atores políticos uma distorção de comportamento que chega às raias do absurdo. A revista "Época" denunciou que um antigo assessor do deputado Roberto Jefferson, sem ter a mínima condição para isso, seria dono de duas rádios em locais do Estado do Rio onde o deputado do PTB tem influência política. Seria o popular laranja, pessoa que aparece como dona de uma propriedade que o verdadeiro dono, no caso o deputado Roberto Jefferson, não poderia assumir.

Para se defender, o deputado diz que pediu ao empresário dono das rádios que desse sociedade a seu assessor, um sorveteiro de cidade do interior, para recompensá-lo pelos serviços prestados. Ora, por que o empresário aceitaria fazer isso? Pela simples razão de que foi o deputado Roberto Jefferson quem conseguiu a concessão das rádios para ele. Para justificar uma irregularidade, o deputado recorre a outra, como se fosse a coisa mais normal do mundo um deputado arranjar concessões de rádio para amigos, e fazer negócios com elas.



Já na entrevista à "Folha de S. Paulo", o deputado relata com a maior tranqüilidade que, por ter indicado Lídio Duarte para a presidência do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), sentiu-se em condições de pedir a ele que tentasse levantar junto aos clientes da estatal financiamentos de campanhas para o PTB. Como se isso fosse uma tarefa normal para o presidente de uma estatal. Depois finge-se que não se sabe por que o presidente da Câmara exige do presidente Lula "aquela diretoria que fura poço e acha petróleo".

Dentro do mesmo teatro do absurdo, revela-se que o governador de Goiás, Marconi Perillo, avisou pessoalmente ao presidente Lula, um ano e meio atrás, que havia esse esquema de mesadas para os deputados entrarem nos partidos da base. O presidente cortou o assunto, alegando que essa prática havia sido instituída pelo ex-ministro, já falecido, Sérgio Motta, o grande articulador político do PSDB e amigo pessoal do ex-presidente Fernando Henrique. Ora, mesmo se fosse verdade o que o presidente disse, não justificaria adotar a mesma prática em seu governo. E ele tinha que denunciar o que supostamente teria ocorrido no governo anterior.

A situação está tão descontrolada que o deputado Roberto Jefferson, acuado por denúncias por todos os lados, ainda teve a desfaçatez de enviar aos jornalistas garrafas de champanhe, numa atitude arrogante e acintosa de quem se considera inatingível. E, no meio da crise, ainda havia quem, dentro do governo e com gabinete no Palácio do Planalto, considerasse que a situação criada pela entrevista de Jefferson era favorável ao arquivamento da CPI dos Correios, pois colocara todos — PT, PP, PL, PTB e até mesmo o PMDB — no mesmo barco, que afundaria se não houvesse solidariedade entre eles.



Esse mesmo raciocínio funcionou até certo ponto na tentativa de retirada das assinaturas, estava prevalecendo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e provavelmente prevaleceria no plenário. Mas, depois das confissões parciais do deputado Roberto Jefferson — ou alguém duvida que ele ainda tem muita bala na agulha para sair atirando por aí antes de morrer politicamente? — ficou impossível manter esta postura cínica diante dos acontecimentos.

Está claro que o ambiente político não favorece o abafamento das investigações e, mesmo que, por mais implausível que seja, o governo se mantenha nessa política suicida e consiga impedir a CPI dos Correios, outros requerimentos surgirão, provavelmente no Senado, onde a oposição tem maioria. E outros depoimentos virão à tona, outras denúncias surgirão, porque nessas horas não há como controlar a bola de neve em que se transformam investigações desse tipo.

Certamente muitos foram preteridos nas "tenebrosas transações" que podem ter ocorrido por baixo do pano; muitas outras gravações devem ter sido feitas — ontem corria no Congresso que o deputado Roberto Jefferson teria gravado a conversa que teve com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e com o ministro Aldo Rebelo, em sua casa, quando, segundo seu relato, os dois "só faltaram se ajoelhar" para pedir que o PTB retirasse as assinaturas de seus deputados do requerimento da CPI dos Correios.

Há indícios suficientemente graves de que há algo de podre em Brasília, e o governo e o Congresso têm a obrigação de apurar tudo, sob pena de perderem a credibilidade diante da opinião pública. Aí, sim, teríamos uma crise institucional grave.


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