Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 03, 2005

Luiz Garcia : A página e a Amazônia

Editoriais são vítimas freqüentes do pecado do nariz empinado, herança daquele tempo em que o mais importante num jornal era a sua opinião.


Os do "New York Times" não chegam a afirmar que valem mais do que o resto do jornal, mas certamente sugerem que, fora eles, o leitor só encontrará mesmo o resto. Não deve ser por acaso que, quando lhes dá na veneta, referem-se às suas opiniões como o julgamento "desta página", não "deste jornal".

Esta semana, a página se pronunciou sobre a Amazônia, condenando o desmatamento. É precisa — e preciosa — sua definição sobre o comportamento das autoridades brasileiras: afirma que elas agem com senso de responsabilidade "intermitente". Nada mais correto: tanto que a última medição do desmatamento — sobre os 12 meses terminados em agosto passado — registrou a maior perda de árvores desde 1995. É certo, por outro lado, que a má notícia embrulha um registro quase alentador: nos nove anos anteriores as notícias foram melhores. Mas é a notícia mais recente que realmente interessa, não é essa a regra? Tudo pesado e medido, impõe-se a conclusão de que a última grande floresta tropical tem de ser mais bem preservada. As intenções federais a respeito (o editorial elogia o trabalho da ministra Marina Silva) parecem louváveis. Embora, claro, insuficientes, além de sabotadas pela generalizada ineficiência da burocracia. Como se viu esta semana, com o registro de que madeireiros fazem o que querem em áreas indígenas e de proteção ambiental da Amazônia por pura incompetência do Ibama.

Para todas as mazelas o editorial do "Times" tem um só remédio: exigência externa de uma política ambientalista mais firme.

É aí, e a partir daí, que ele perde parte da razão. Sendo verdade que a Amazônia é uma defesa contra o aquecimento global, por que não condenar com a mesma ênfase os grandes responsáveis pelo aumento do aquecimento? Ou sejam, o governo e a indústria do país onde "esta página" é publicada? Se é imperioso preservar essa extraordinária reserva de biodiversidade, por não defender combate enérgico a quem a saqueia — e que, em grande número, não são nativos?

Está certo que a grande floresta é patrimônio da Humanidade. A atitude de exigir das autoridades brasileiras maior repressão a quem derruba árvores para plantar soja ou exporta madeira ilegalmente ganhará considerável peso moral se cobrança igualmente enfática for dirigida àqueles que, em empresas e governos de outros países — principalmente os mais ricos, acima de tudo os muito mais ricos — contribuem para que a cada dia se torne maior e mais ameaçadora a poluição da atmosfera em todo o planeta.

Essas ponderações não visam a reduzir a responsabilidade de qualquer grupo determinado de terráqueos na decadência de seu único planeta. Apenas lembram a conveniência de melhor distribuir as acusações.
o globo

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