O Brasil fez muito: estabilizou, privatizou, fez reformas, fechou bancos, há sete anos tem superávits primários crescentes e superou a dúvida política sobre a chegada da esquerda ao poder. Ainda assim, o que os economistas têm a dizer é que a estabilização brasileira está incompleta e exige mais reformas. Basta olhar a comparação entre o Brasil e outros países emergentes para se ter idéia de quanto é preciso avançar.
Foi isso que alguns economistas fizeram. Foi lançado esta semana em São Paulo o livro: "Mercado de capitais e crescimento econômico. Lições internacionais e desafios brasileiros", organizado por Edmar Bacha e Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, com prefácio de Pedro Malan e uma lista impressionante de autores: Pérsio Arida, Dionísio Carneiro, Armando Castelar, Marcos Lisboa, Daniel Gleizer, Maílson da Nóbrega, Eleazar de Carvalho, entre outros. É o resumo de dois seminários e textos que vêm sendo feitos nos últimos anos.
A economista Ana Novaes compara o mercado de capitais do Brasil com os de Chile, México, África do Sul, Polônia e Tailândia. Perdemos de todos, até porque o Brasil é o único da lista que não é investment grade , e ainda está longe de chegar lá. Todos eles têm algo a nos ensinar. O Chile fez uma pioneira reforma da previdência, em 81, saindo do sistema de repartição para o de capitalização. O México conseguiu desenvolver um mercado de títulos governamentais pré-fixados. A África do Sul tem uma das maiores relações de capitalização de bônus e ações em relação ao PIB. A Tailândia entrou em crise em 97 e saiu dela graças ao fato de que tem uma elevada taxa de poupança doméstica. A Polônia experimentou com sucesso o receituário dos organismos internacionais para construir um forte mercado de capitais.
E o Brasil? Aqui, um mercado financeiro robusto e desenvolvido dedica todas as suas energias a financiar a dívida pública em papéis pós-fixados e de curto prazo. Edmar Bacha, numa interessante introdução, compara o mercado com os portugueses do começo da colonização que, na visão de Frei Vicente, ficavam como caranguejos, apenas nas costas, sem se aventurar pelo sertão.
O mercado brasileiro de títulos privados tem defeitos óbvios. "A distância do mercado acionário brasileiro do padrão 'uma ação, um voto' é gritante, e não se pode continuar a deixar os acionistas minoritários preocupados toda vez que há transferência de controle", diz Bacha no texto introdutório.
Falta previsibilidade ao Brasil é o que dizem vários autores. Sobram fundos compulsórios, todos sem boa governança, transparência, portabilidade, tudo o que faz o sucesso de fundos modernos. O BNDES empresta a juros mais baixos e não há clareza sobre quanto custa isso ou quem paga. O banco usa o dinheiro de um fundo compulsório, o FAT, e empresta a juros bem menores do que o governo paga por seus papéis. O BNDES é assunto de quatro artigos, cada um com uma proposta diferente. Inclusive a de Cláudio Haddad, que é de acabar com o banco.
Nilson Teixeira acha que é preciso incorporar no orçamento do setor público consolidado todas as contas de subsídios, inclusive os que estão embutidos nos financiamentos do BNDES. Ele acredita que o mercado de capitais já está maduro e pode gerir os fundos, sem que eles sejam compulsórios.
Tese também de Pérsio Arida, que há tempos tem defendido mudanças nos fundos como FAT, FGTS. Ele acha que uma das esquisitices do Brasil são os mecanismos compulsórios de financiamento do investimento.
A idéia da incerteza jurisdicional está em vários dos textos dos livros. Ela foi desenvolvida inicialmente num artigo escrito a seis mãos por André Lara Resende, Pérsio Arida e Edmar Bacha. Eles levantam uma questão fundamental para explicar os nossos dilemas atuais: o mesmo investidor que aceita financiar o Brasil e as empresas brasileiras no exterior em prazo longo aqui dentro só financia no curto prazo; e olhe lá. O Brasil, suas leis, lentidão dos processos jurídicos, dificuldade de recuperação de prejuízo, incerteza legislativa, tudo faz com que um investimento aqui dentro seja muito mais arriscado do que os submetidos às leis e arbitragem internacionais.
Os caminhos para se entender o que nos faz um país diferente de outros chegam na regulação do mercado de capitais e a auto-regulação, assunto de Luiz Chrysostomo. O Brasil tem caminhado nessa direção tanto pelo incentivo na auto-regulação, dado pela Anbid, quando pelo Novo Mercado, desenvolvido pela Bovespa, no qual só entram os que aceitam as boas regras de governança e de eqüidade entre os acionistas.
Não há apenas uma mas, sim, várias barreiras ao desenvolvimento de um mercado de capitais no Brasil, como resume Armando Castelar. Marcos Lisboa conta parte da sua experiência no governo, durante a qual se dedicou às reformas microeconômicas, que não dão manchete, mas garantem o avanço na direção de o Brasil se parecer com os outros países.
O fato é que, no mundo, o mercado de capitais cresceu de forma impressionante. Houve muitas crises: as da Ásia no fim dos anos 90, do estouro da bolha da internet em 2000, das fraudes contábeis americanas em 2001. Apesar de tudo isso, o mercado acionário global triplicou de 90 até o fim de 2003, quando chegou a ser US$ 31 trilhões, quase três Estados Unidos. No Brasil, houve um salto importante no lançamento de ações em 2004. Mesmo assim, o fato inescapável é que o mercado de capitais, que em outros países financia o desenvolvimento, aqui vive principalmente de financiar o governo a juros absurdos.
oglobo
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