Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 03, 2005

Merval Pereira:Novos parceiros

Há uma convicção no governo de que os números ruins do primeiro trimestre não significam uma tendência, e, sobretudo, de que a economia entrará no ano eleitoral em crescimento acelerado, deixando para trás o clima pessimista que hoje ela provoca. Na mesma linha, repete-se na equipe econômica que não é possível calcular a carga tributária com base nos resultados trimestrais, pois o que conta é a média anual.

Esse raciocínio, se é correto tecnicamente, não tem ligação, porém, com a percepção do cidadão comum, que sente no dia-a-dia os apertos da política monetária e não aguarda a média anual para reagir a eles.

O que isso significa, em termos políticos, é que as pesquisas de opinião continuarão a registrar a queda da popularidade do presidente Lula enquanto os efeitos da política econômica não surgirem, o que pode afetar o clima político perigosamente, mesmo que os resultados comecem a aparecer no ano eleitoral.

Essa batalha entre o tempo político e o tempo econômico é crucial em um ano eleitoral, e por isso é relevante o compromisso assumido pelo presidente Lula de não fazer qualquer populismo para obter um crescimento de curto prazo que o beneficie eleitoralmente, mas prejudique o desenvolvimento da economia de longo prazo, que é no que ele e a equipe econômica continuam apostando.

É possível que nessa travessia até as eleições algumas peças vitais venham a ser substituídas, como por exemplo o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Mesmo que não se substitua a política monetária em vigor. Mas a simples troca pelo atual secretário executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, pode dar um novo fôlego à política tão criticada. Meirelles estaria, além de tudo, muito abalado emocionalmente pela série de acusações que surgem contra ele, sentindo-se frustrado em seu projeto político pelo que considera uma campanha de cunho pessoal.

Além da confiança nos resultados de longo prazo da política econômica, o presidente Lula acredita que algumas medidas "alternativas" que seu governo adotou garantirão o crescimento da economia e o suporte popular para a reeleição. Além dos financiamentos do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica para incentivar a economia em setores cruciais como a construção civil, medidas como o Bolsa Família, os créditos consignados em folha de pagamento, os remédios a preços populares, o vale gás, serviriam para "soldar" o apoio popular à reeleição de Lula.

Essas medidas são classificadas de populistas pela oposição, mas o governo as considera superiores à simples assistência social. Existiriam estudos que mostram que esse tipo de dinheiro faz movimentar a economia com grande intensidade, e é capaz de garantir a base de um crescimento forte do PIB, contra a opinião da maioria esmagadora dos economistas.

O governo age como se o pior momento da crise política já tivesse sido superado, e rearticula sua base de apoio no Congresso para tentar acabar com as chances da CPI dos Correios. Ainda que a unidade da base aliada tenha sido conseguida menos por fidelidade, e mais pelo receio de que acusações de corrupção respingassem sobre todos, o fato é que a situação política hoje parece mais sob controle do Palácio do Planalto do que há alguns dias, e por isso há quem já pense no que fazer depois que a CPI for definitivamente derrotada pelo plenário da Câmara, como planeja o governo.

O problema é que, como sempre, existem no governo divisões básicas. Há o grupo que quer aprofundar a parceria política com o PMDB, e ao mesmo tempo afrouxar os laços que hoje unem o governo a partidos como o PTB e o PP, marcados na opinião pública pela imagem nada edificante de políticos como os deputados Roberto Jefferson e Severino Cavalcanti. Mas há também quem tema problemas políticos com o presidente da Câmara, ou aliados ressentidos como o ainda presidente do PTB.

Ampliar a força do PMDB tem também o objetivo de esvaziar a tese da candidatura própria do partido, inviabilizando os planos do ex-governador Garotinho de concorrer à Presidência da República com a legenda que tem a maior capilaridade entre os partidos políticos, e o maior número de vereadores espalhados pelo país.

A súbita mudança de posição do presidente do Senado, Renan Calheiros, que de manhã prometera ele mesmo nomear os integrantes da CPI dos Correios caso os partidos aliados do governo não o fizessem, e à tarde mudou de idéia, dizendo que esperaria a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara sobre a constitucionalidade da CPI, tem a ver com essa tendência do governo de dar ao PMDB uma posição de destaque na montagem de uma nova equipe ministerial e, em seguida, o lugar de parceiro na chapa presidencial.

A impressão de que as duas estratégias andam juntas veio logo depois, quando Renan "liberou" o Senado de se pronunciar sobre a decisão da CCJ, dizendo que basta a Câmara decidir, o que facilita muito a manobra do governo. A tal ponto que Renan teve que reunir os líderes para prometer imparcialidade. Só o tempo mostrará qual sua verdadeira posição. A oposição se prepara para o pior.

Quando o ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) propôs uma renúncia coletiva, não falava com autorização do presidente Lula, mas certamente sabia que o gesto facilitaria uma decisão do presidente, que se incomoda em demitir seus "companheiros", o que terá que fazer para preparar a campanha da reeleição.

Mas a tática, além de colocar em evidência essa característica de Lula que não é bem vista pela população — há pesquisas do PSDB, já citadas aqui na coluna, que mostram que começa a se disseminar na opinião pública a idéia de que Lula não decide — colocaria também em suspenso a única parte do governo que vem se mostrando eficiente, apesar de controversa: a política econômica.
o globo

Nenhum comentário:

Arquivo do blog