Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 11, 2005

JOÃO UBALDO RIBEIRO : Fé no Brasil num boteco do Leblon

O GLOBO
porque eu não sou desses intelectuais de merda que escrevem nos jornais, sempre choramingando, reclamando e se estarrecendo. Aliás, eu não agüento mais ver neguinho se estarrecendo, não tem nada que se estarrecer, sempre foi assim mesmo. Claro que ninguém roubava por computador antigamente, mas agora é natural é que apareça quem roube por computador, é da vida, realmente eu não agüento mais, vão se estarrecer na Islândia, onde não acontece nada e aí ninguém lá se estarrece.

— Você estava dizendo que não é intelectual.

- Pois é, se bem que não me troque por nenhum desses babacas que escrevem besteira em jornal. De vez em quando, sai uma coisinha que se aproveita, mas geralmente é a mesma cantilena, o artigo é o mesmo, só muda um pouco o recheio. É que eu não tenho como veicular minhas idéias.

— Mas o que é que você quer, só pintam as mesmas coisas e os caras têm de denunciar. Tu vai me dizer que o país não está uma esculhambação, um escândalo atrás do outro, todo mundo roubando em tudo quanto é canto, é no Ibama, é no Correio, é em qualquer lugar que você pense, o sujeito chega a ficar tonto. E agora esse negócio do mensalão é de lascar.

—- Por que é que é de lascar, qual é a novidade?

— Ué, tu acha certo o que está acontecendo?

— Acho, acho! E tenho a coragem de dizer e teria de escrever! Acho certíssimo, o que eu acho errado é criar escândalo em torno disso, perder tempo em querer acabar com a corrupção. Eu não sou tão ignorante assim, tenho minhas leituras, me interesso por assuntos sérios. Vou te dar um exemplo, para ilustrar o que eu vou te dizer. Tu manja o grande Celso Furtado, não manja? Grande homem, grande figura, Deus o tenha. Pois é, tu sabe qual foi a primeira grande sacação do Celso Furtado, quando ele bolou a Sudene?

— Não, não sei. Ele...

— Ele raciocinou que o Nordeste é seco pela própria natureza e ninguém vai mudar isso. Então o negócio era o Nordeste fazer o melhor uso possível do que tinha, se adaptar às próprias condições, do mesmo jeito que não dá pra plantar bananeira no Alasca.

—- Sim, mas a Sudene acabou se dando mal e...

— Sim, mas não por causa do Celso! Ele não teve culpa, ele também era intelectual. E aí só aplicou o novo paradigma ao caso do Nordeste, tinha que aplicar de forma geral e é isso que a gente tem de fazer, está na cara.

— Desculpe, não saquei, não saquei.

— É o seguinte, meu caro amigo: é deixar de aplicar os velhos paradigmas ao Brasil, acho que a gente já amadureceu a esse ponto, está na hora de recorrer ao famoso corte epistemológico, que eu nunca soube o que é, mas deve ser isso. Tem que dar o corte epistemológico, tem de mudar o paradigma, esse que prevalece aí não está com nada, é a força do atraso.

— Tu disse que não era intelectual, mas hoje tá com a macaca, ainda não saquei nada.

— Eu disse que não era um intelectual de merda, como os que escrevem nos jornais, mas eu também penso, sou um intelectual do povo, da classe média, também enxergo as coisas e sou capaz de pensar.

— Então fala claro aí.

— Perfeitamente. No Brasil, todo mundo rouba, sempre roubou. Ou então trambica, faz parte da alma nacional.

— Não concordo, não acho que todo mundo rouba ou trambica.

— Tá legal, a torcida do Olaria não trambica. Ninguém fura fila, ninguém pede pistolão, ninguém telefona interurbano da firma ou do boteco, ninguém procura o INSS pra se encostar sem ter nada, ninguém dá dinheiro ao guarda, ninguém se declara negro só para pegar cota, ninguém compra nem vende voto, ninguém tem emprego onde só aparece no dia do pagamento, ninguém funda associação de caridade pra tomar a grana dos otários e enriquecer, ninguém aluga criança para mendigar, ninguém arma esquema para tirar carteira de motorista sem fazer exame, ninguém se aposenta baseado em fraude, ninguém fajuta nota fiscal, ninguém dá atestado falso, ninguém paga ao fiscal para aliviar a multa, ninguém altera taxímetro, ninguém rouba no peso nem falsifica remédio, ninguém usa produto pirata... Onde é que tu mora, cara?

— Mas é uma generalização excessiva. Eu continuo a achar que a grande maioria é honesta.

— Continue achando. Eu sei que é o contrário e que a grande potencialidade do Brasil é essa mesmo, tem que fazer uso dela e não ficar dando murro em ponta de faca. Tem que aproveitar nosso potencial. Violência? Olhe o lado positivo, os empregos criados pelas firmas de segurança e das locadoras de DVD, para quem não se arrisca a sair de casa. Saúde, idem, idem para as empresas de saúde. Educação, idem, idem para os colégios e cursinhos.

— Mas o impostos que a gente paga, como é que ficam?

— Como é que você acha que o homem ia criar empregos assim da noite para o dia? Tinha que começar colocando os companheiros e isso significa despesas. É tudo incentivo à economia, esse dinheiro acaba voltando para a gente, dá dinamismo à economia. Pra mim é assim que o Brasil faz proveito de sua vocação, tem que adotar um novo paradigma. Abaixo a moral pequeno-burguesa! Todo mundo rouba todo mundo numa boa e eu duvido que vá haver país melhor do que o Brasil, é só parar de veadagem e adotar o novo paradigma, nosso mal é sermos colonizados e não aceitarmos a identidade nacional.

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